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Josias de Souza

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Roberto Dias foi uma oportunidade que Bolsonaro perdeu e a CPI aproveita

Colunista do UOL

07/07/2021 19h18

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Roberto Ferreira Dias, primeiro depoente a sair preso da CPI da Covid, é personagem central do enredo que fez a pandemia escorregar para o campo da moralidade. Ele representa uma oportunidade que Bolsonaro perdeu para se reposicionar em cena, saindo da defensiva. A CPI aproveita.

Na gestão da crise sanitária, Bolsonaro fez várias apostas. Perdeu todas. Na seara da saúde pública, além de contar os mortos, não há o que fazer senão tirar o atraso na vacinação da sociedade brasileira. Algo que vem ocorrendo em velocidade mais lenta do que seria desejável.

No campo da ética, a conjuntura ofereceu a Bolsonaro uma chance para tomar o caminho que poderia afastar o governo da crise. Aconteceu em 29 de junho. Nessa data, Roberto Dias foi exonerado da Diretoria de Logística do Ministério da Saúde.

O afastamento ocorreu horas depois da divulgação da entrevista em que o cabo da PM mineira Luiz Paulo Dominguetti Pereira declarou ter ouvido um pedido de propina do então diretor de Logística da Saúde durante jantar em que negociava com ele a venda de um hipotético lote de 400 milhões de doses da vacina AstraZeneca. Era só Bolsonaro continuar nessa trilha da higienização.

O presidente, entretanto, empacou. E passou a emitir sinais contraditórios. Mandou afastar Roberto Dias, um preposto do centrão na engrenagem da Saúde. Mas manteve um dos padrinhos políticos dele, o deputado Ricardo Barros, na liderança do governo na Câmara.

Bolsonaro suspendeu a vigência de um contrato de compra de 20 milhões de doses da vacina indiana Covaxin, que também traz digitais do diretor afastado. Mas demora a cancelar definitivamente um contrato insustentável, orçado em R$ 1,6 bilhão. A peça já virou matéria-prima de inquérito criminal do Ministério Público Federal e de auditoria do Tribunal de Contas da União.

Durante o depoimento à CPI, Roberto Dias soou contraditório. Disse que a negociação de vacinas anti-Covid era uma responsabilidade exclusiva do coronel Elcio Franco, o número Dois da gestão de Eduardo Pazuello na Saúde, hoje encostado num contracheque da Casa Civil da Presidência da República. Mas reconheceu que jantou com o cabo Dominguette, fornecedor improvável de vacinas.

Roberto Dias voltou a negar que tenha pedido propinas de US$ 1 por dose de vacina na conversa com o cabo da PM. O problema é que sua versão para os contatos que manteve com Dominguetti tem a solidez de um pote de gelatina. Sustenta que o encontro no restaurante de um shopping de Brasília foi fortuito. Gravações em poder da CPI indicam o contrário.

De resto, o depoente sinalizou a existência de algo muito parecido com uma guerra de gangues na pasta da Saúde. De um lado, a turma que zela no ministério pelos negócios do centrão. Na outra ponta, os militares que ocuparam a pasta durante a gestão do general Eduardo Pazuello.

Informados de que Roberto Dias guarda um dossiê com informações constrangedoras para o governo, vários senadores o estimularam a levar os lábios ao trombone. Ironicamente, o pelotão governista pôs-se a adular o deponente.

Foi como se os aliados do Planalto receassem uma explosão de Roberto Dias. O próprio líder de Bolsonaro no Senado, Fernando Bezerra, enalteceu a integridade do personagem que o presidente mandou exonerar por suspeita de corrupção.

Quem assistiu ficou com a impressão de que Bolsonaro não perde a oportunidade de perder oportunidades. Roberto Dias logo estará solto, mediante pagamento de fiança. O governo continuará preso no seu labirinto.