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Josias de Souza

REPORTAGEM

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Governo blindou na CPI suspeito de corrupção na Saúde por medo de dossiê

Colunista do UOL

08/07/2021 11h37

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Apenas oito dias depois de ter sido exonerado do posto de diretor de Logística do Ministério da Saúde por suspeita de corrupção, Roberto Dias foi blindado pela bancada do governo na CPI da Covid. Deve-se o paradoxo ao receio do Planalto de que o personagem se transforme numa espécie de homem-bomba, revelando segredos sobre uma disputa corrosiva travada nos subterrâneos da pasta da Saúde. De um lado, prepostos do centrão. No outro extremo, militares. No centro do embate, os negócios suspeitos envolvendo a compra de vacinas anti-Covid.

O depoimento de Roberto Dias foi mais importante pelas verdades que o depoente insinuou do que pelas mentiras que levaram o presidente da CPI, Omar Aziz a mandar prendê-lo no final da inquirição. O personagem ficou detido por cinco horas nas dependências da Polícia Legislativa do Senado. Foi liberado mediante pagamento de fiança de R$ 1.100.

Ironicamente, os senadores que representam o governo na CPI, trocaram a defesa de Bolsonaro e do seu governo pela proteção a Roberto Dias, exonerado na semana passada depois de ser pendurado de ponta-cabeça numa manchete do site da Folha. Até o líder de Bolsonaro no Senado, Fernando Bezerra (MDB-PE), enalteceu a "integridade" do depoente.

Negociador improvável de hipotéticos 400 milhões de frascos da vacina AstraZeneca, Luiz Paulo Dominguetti Pereira, um obscuro cabo da PM de Minas Gerais, acusou Roberto Dias de exigir propina de US$ 1 por dose como condição para fechar o negócio. O que pareceu uma grave perversão para o Planalto na semana passada passou a ser visto como algo negligenciável diante da necessidade de evitar que o demitido se sentisse abandonado a ponto de jogar segredos no ventilador.

Apadrinhado do deputado Ricardo Barros (PP-PR), o homem do centrão que Bolsonaro acomodou na liderança do governo na Câmara, Roberto Dias imprimiu suas digitais nos dois casos mais rumorosos do escândalo das vacinas. Além da acusação do pedido de propina mencionado pelo cabo Dominguetti, ele é acusado de ter pressionado pela aprovação a toque de caixa do contrato para a compra da vacina indiana Covaxin. Um contrato repleto de irregularidades.

Espremido na CPI, Roberto Dias transferiu a responsabilidade pela compra de vacinas para o coronel Elcio Franco, então secretário-executivo do Ministério da Saúde, número Dois da gestão do general Eduardo Pazuello.

A alturas tantas, o depoente realçou que dois coordenadores do departamento que chefiava —de Logística e de Finanças— foram demitidos, para dar lugar a dois militares da confiança de Elcio Franco.

Um deles, o tenente-coronel Alex Lial Marinho, foi citado pelo servidor Luis Ricardo Miranda como o que mais fez pressões para acelerar a compra da Covaxin. O outro, o tenente-coronel Marcelo Blanco, deixou o ministério e abriu uma empresa três dias antes de acompanhar o cabo Dominguetti no encontro em que teria soado o pedido de propina na transação envolvendo a vacina da AstraZeneca.

Os senadores enxergaram nas entrelinhas das declarações de Roberto Dias o interesse de arrastar os militares para o caldeirão das suspeitas. O G7, grupo majoritário da CPI, decidiu reconvocar o coronel Elcio Franco, agora escondido atrás de um contracheque de assessor da Casa Civil da Presidência, sob o comando do general Luiz Eduardo Ramos.

Quem decodificou com maior precisão os subterfúgios utilizados por Roberto Dias em seu depoimento à CPI foi o senador Eduardo Braga (MDB-AM). Em meio às inverdades pronunciadas pelo servidor demitido, Braga enxergou "uma resposta" assertiva. "É que toda e qualquer contratação de vacinas, para o bem ou para o mal, estava centralizada na Secretaria-Executiva do ministério da Saúde", comandada pelo coronel Elcio.

"E, depois, demitem o Roberto por ter pedido...", tentou intervir o relator Renan Calheiros (MDB-AL), antes de ser atalhado por Braga: "Duas vezes". Renan voltou à carga: "...Por ter pedido propina ao Dominguetti. E ele cala, silencia, aceita."

Eduardo Braga arrematou: "Senador Renan, ele foi três vezes alvo dessa retaliação. Quando indicado para a Anvisa; depois, foi desindicado. Ele foi exonerado pelo Pazuello, e a exoneração foi barrada pela Casa Civil. E, finalmente, ele foi exonerado no momento em que esse tal de Dominguetti o acusa de ter pedido US$1 por vacina."

Ficaram entendidas duas coisas: 1) Roberto Dias expôs em seu depoimento a guerra entre gangues em que se converteu a disputa do centrão com os militares pelo controle do cofre do Ministério da Saúde. 2) Bolsonaro tornou-se um refém dos segredos colecionados pelo preposto de Ricardo Barros, seu líder na Câmara.