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Josias de Souza

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Tratado por Fux como um Nero, Bolsonaro toca o Lira em meio ao incêndio

Colunista do UOL

08/09/2021 18h38

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Um dia depois de Bolsonaro atear fogo na conjuntura em pleno 7 de Setembro, estabeleceu-se na Praça dos Três Poderes um ambiente de caos. Em resposta à ameaça do inquilino do Planalto de desobedecer ordens judiciais, o presidente do Supremo, Luiz Fux, disse que a prática, por "ilícita", constitui "crime de responsabilidade a ser analisado pelo Congresso." Em pronunciamento lido pouco antes, o chefe da Câmara, Arthur Lira, não esboçou a intenção de abrir contra Bolsonaro um pedido de impeachment. Ao contrário, ofereceu-se como "ponte" para o "diálogo".

Deve-se à senadora Simone Tebet a melhor tradução do cenário: "Nero continuará tocando Lira, depois de botar fogo em Roma." Abstraindo-se o detalhe de que uma exposição organizada pelo Museu Britânico mostrou que o imperador não poderia ter tocado sua lira enquanto Roma pegava fogo, pois nem estava na cidade, a comparação é boa.

De fato, Fux referiu-se ao presidente da República como se avalizasse a revista The Economist, que, em edição recente, apelidou de Bolsonero o capitão que preside o Brasil. Reagindo ao "ultimato" do presidente para que enquadrasse o "canalha" Alexandre de Moraes, relator de inquéritos contra ele, sob pena de sofrer "as consequências", Fux sentiu a necessidade de declarar: "Ninguém fechará esta Corte".

Entretanto, o timbre de chefe de Poder pareceu impotente. Embora corram nos escaninhos do Supremo quatro inquéritos criminais envolvendo Bolsonaro, Fux empurrou para o prédio ao lado a tarefa de moderar o piromaníaco do Planalto. Pela Constituição, o Congresso atua como tribunal nos casos de impeachment. A Câmara abre o processo por crime de responsabilidade. E o Senado julga, em sessão presidida pelo chefe do Supremo.

Simone Tebet reagiu com otimismo. Celebrou o fato de Fux ter feito referência explícita ao presidente da República no trecho do seu discurso em que mencionou o crime de responsabilidade. "Recado claro para o Congresso Nacional", avaliou a senadora. "Desafinou a Lira do Nero." O problema é que Arthur, o Lira, não esboça a intenção de abrir o gavetão em que mantém mais de 130 pedidos de impeachment formulados contra Bolsonaro, o Nero.

Se depender do presidente da Câmara, Bolsonaro continuará riscando fósforos pelo menos até 31 de dezembro de 2022, quando termina o seu mandato. "O único compromisso inadiável e inquestionável que temos em nosso calendário está marcado para 3 de outubro de 2022. Com as urnas eletrônicas", disse Lira. "É nas cabines eleitorais, com sigilo e segurança, que o povo expressa sua soberania."

Presente à sessão do Supremo aberta com o discurso de Fux, o procurador-geral da República Augusto Aras, a quem a Constituição reserva a prerrogativa de propor ações penais contra o presidente, não enxergou no 7 de Setembro nada além de "uma festa cívica."

Ironicamente, Fux e Lira concordaram num ponto. Ambos avaliam que a radicalização não ajuda o Brasil a resolver os seus problemas reais. O magistrado citou a pandemia, o desemprego, a inflação e a crise hídrica. O deputado mencionou a gasolina a R$ 7, o dólar valorizado em excesso, a redução das expectativas de crescimento econômico.

Para desassossego dos patriotas, Bolsonaro se abstém de trabalhar. Não disse nada sobre os "problemas reais" nos pronunciamentos em que ateou fogo na "festa cívica". Roma continua em chamas, ao som desconexo de Lira: "Conversarei com todos, de todos os Poderes. É hora de dar um basta nessa escalada, em um infinito looping negativo. Bravatas em redes sociais, vídeos e um eterno palanque deixaram de ser um elemento virtual e passaram a impactar o dia a dia do Brasil de verdade."

Então, ! Fica entendido que Bolsonaro obteve o que desejava. Transformou o Brasil no país ideal para a realização de algo inteiramente novo. Caos não falta.