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Josias de Souza

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Pedido de Bolsonaro para depor à PF presencialmente tem motivação eleitoral

Colunista do UOL

06/10/2021 17h52Atualizada em 07/10/2021 14h25

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Teve inspiração eleitoral a meia-volta protagonizada por Bolsonaro ao informar ao Supremo Tribunal Federal que decidiu prestar depoimento pessoalmente no inquérito em que é acusado de intervir na Polícia Federal. O que está por trás da decisão é o desejo de fustigar Sergio Moro num instante em que o ex-ministro da Justiça discute nos bastidores a hipótese de entrar na corrida presidencial de 2022. O gesto de Bolsonaro é impulsionado pela convicção de que não corre riscos. Está convencido de que o procurador-geral da República, Augusto Aras, arquivará o inquérito.

A valentia de Bolsonaro revelou-se uma qualidade fluida. O inquérito sobre a ingerência política na Polícia Federal foi aberto em abril de 2020, depois que Moro deixou a pasta da Justiça chutando a porta. Durante um ano e meio, o capitão fugiu do depoimento presencial à PF. De repente, no dia em que o Supremo julgaria o recurso no qual pediu para ser inquirido por escrito, Bolsonaro recobrou a coragem, forçando o ministro Alexandre de Moraes, relator do caso, a solicitar a retirada do recurso da pauta.

"O Requerente manifesta perante essa Suprema Corte o seu interesse em prestar depoimento em relação aos fatos objeto deste Inquérito mediante comparecimento pessoal", anotou o advogado-geral da União Bruno Bianco em oficio entregue a Moraes minutos antes do início da sessão. Bolsonaro agora deseja apenas exercer a prerrogativa de escolher o local, o dia e a hora em que prestará o seu "depoimento presencial" à Polícia Federal.

Em privado, Bolsonaro celebra o que seus auxiliares classificam de "inanição" do inquérito policial. Avalia-se no Planalto que não há no processo nenhum vestígio de prova capaz de atestar a interferência do presidente na Polícia Federal. Nessa versão, compartilhada por integrantes da equipe do procurador-geral, Augusto Aras não teria dificuldades para enviar o caso ao arquivo.

Ironicamente, Sergio Moro e Alexandre de Moraes são vistos como desbravadores da trilha que colocou a investigação no rumo do arquivamento. Ao denunciar o plano de Bolsonaro de converter a Polícia Federal num aparato político, Moro referia-se a uma trama em fase de execução. Ao suspender no ano passado a nomeação de Alexandre Ramagem, amigo da família Bolsonaro, para o cargo de diretor-geral da PF, Moraes evitou o que seria o início da execução da tramoia.

Mesmo os críticos de Aras na Procuradoria entendem que há no inquérito da PF no máximo material para um eventual enquadramento de Bolsonaro no crime de advocacia administrativa. Está previsto no artigo 321 do Código Penal. Aplica-se aos casos em que o servidor se vale da função pública para defender interesses particulares. A pena é mixuruca: detenção de um a três meses. Nos casos mais graves, admite-se agravar a pena para três meses a um ano de detenção.

Para que Bolsonaro fosse acusado de cometer crimes mais cabeludos —como obstrução de Justiça, pena de 3 a 8 anos de cadeia— seria necessário demonstrar que o presidente impediu ou atrapalhou o andamento de uma investigação contra organização criminosa. Nessa hipótese, Aras teria de denunciar Bolsonaro junto ao Supremo. E a Corte pediria autorização à Câmara para julgar a denúncia.

Uma decisão tomada por Alexandre de Moraes no último dia 27 de agosto potencializou a convicção do Planalto de que o inquérito contra Bolsonaro será arquivado. Moraes afastou o delegado federal Felipe Alcântara Leal do comando da investigação sobre a interferência do presidente na PF. No seu despacho, o ministro tornou sem efeito decisão que tomara dias antes, mantendo Leal no comando da investigação.

O delegado Felipe Leal chefiava o Serviço de Inquéritos Especiais (Sing), setor que cuida das investigações que envolvem autoridades com foro privilegiado. Em abril, ele havia sido substituído por determinação do diretor-geral da PF, Paulo Maiurino.

Ao afastar Leal dos calcanhares de Bolsonaro, Moraes sustentou que o delegado determinara diligências que envolviam atos de Maiurino. Entre eles a exoneração de Alexandre Saraiva da superintendência no Amazonas.

A substituição de Leal ocorreu depois que Saraiva protocolou no Supremo notícia-crime contra o então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, por agir em defesa de madeireiros investigados na PF.

Além das diligências sobre o afastamento de Saraiva, Felipe Leal solicitou à Procuradoria-Geral da República informações sobre investigação preliminar que apurava a produção de relatórios da Agência Brasileira de Inteligência e do Gabinete de Segurança Institucional para orientar a defesa do primogênito Flávio Bolsonaro no caso da rachadinha.

Na opinião de Moraes, as diligências encomendadas por Leal não tinham relação com o inquérito que apura as acusações de Moro sobre a interferência de Bolsonaro na PF. O despacho do ministro foi recebido na PF como uma peça sem nexo, pois Leal estava justamente tentando obter provas de que a ameaça de intervenção de Bolsonaro havia se consumado.

Ao pedir demissão, em abril de 2020, Moro denunciara ter recebido pressões para demitir o então diretor-geral da PF, Maurício Valeixo, substituindo-o por Alexandre Ramagem, diretor da Abin. Na reunião ministerial em que sinalizou sua intenção, Bolsonaro soou assim: "Não vou esperar foder minha família toda de sacanagem, ou amigo meu para agir."

Na opinião de Moraes, não havia nas providências requeridas pelo delegado Leal "qualquer pertinência" com "o objeto da investigação." Por isso, o ministro ordenou que o inquérito fosse enviado ao diretor-geral Maiurino, nomeado na fase pós-Moro. Celebrado no Planalto, o despacho de Moraes ajudou a compor o quadro que levou Bolsonaro a recuperar a coragem, oferecendo-se para prestar depoimento presencial a um delegado da confiança de Maiurino, um diretor-geral da sua predileção..