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Falta bilheteria para o circo da segurança no Rio
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O oposto do antigovernismo primário é um pró-governismo inocente, que aceita todas as presunções dos governantes a seu próprio respeito. Em matéria de segurança pública no Rio de Janeiro, isso inclui concordar com a afirmação do governador fluminense Claudio Castro de que o Programa Cidade Integrada, deflagrado nesta quarta-feira na favela do Jacarezinho, é "um grande processo de transformação das comunidades do estado do Rio." Algo que "vai muito além da segurança."
O que espanta não é a hipocrisia eleitoreira de Claudio Castro. A politicagem pelo menos é algo esperado de um governador-tampão que pleiteia a reeleição. O que assusta mesmo é a aposta do doutor na hipótese de que um pedaço da sociedade, em desespero, ainda se dispõe a acreditar que o governo do Rio, em ruínas, colocou em pé uma iniciativa capaz de "mudar a vida da população" pobre, levando dignidade e oportunidade" a quem está submetido ao poder paralelo da bandidagem.
A "integração" prometida por Claudio Castro faz lembrar a UPP, Unidade de Polícia Pacificadora do cleptogoverno de Sergio Cabral. Alega-se novamente que logo chegarão às favelas políticas públicas voltadas à criação de oportunidades e empregos. Por ora, desembarcaram no Jacarezinho e arredores 1.200 policiais —400 da Polícia Civil e 800 da PM. Portavam 42 mandados de prisão e 14 de busca e apreensão.
Sob Cabral, as presidências petistas de Lula e Dilma despejaram verbas federais no Rio. Ainda assim, a UPP derreteu antes que o pedaço social do Estado conseguisse estabelecer-se nos morros. Agora, falta financiamento para o picadeiro de Castro. A polícia antecipou-se até às explicações do governado sobre os meandros do seu projeto. Ele promete para sábado a entrevista em que esmiuçará sua mágica.
Quando os traficantes davam as cartas, os governantes do Rio prometiam tirar coelhos da cartola. Hoje, o tráfico é suplantado pela milícia. E Castro deseja convencer o eleitorado de que conseguirá retirar cartolas de dentro dos coelhos.
Recomenda-se uma dose de ceticismo a quem não quiser ser infectado pelo vírus que transforma eleitores em bobos. O Rio habituou-se a conviver com três tipos de governadores. Entre os mais recentes, há os que já passaram pela cadeia (Garotinho, Rosinha e Pezão) há o que ainda está em cana (Cabral) e há o que aguarda na fila (Wilson Witzel).
Para complicar, o próprio Castro, que assumiu o trono após a cassação de Witzel, também se encontra sob investigação. Quer dizer: a criminalidade não está apenas nas bocas de fumo ou nos escritórios da milícia. O crime organizado ocupou os palácios Guanabara e Laranjeiras, sede da administração estadual e residência oficial do governador.
Quando era deputado federal, Bolsonaro ocupou a tribuna da Câmara para elogiar milicianos —gente que despia a farda de policial nas horas vagas para vender segurança a preços módicos a comerciantes e moradores das áreas conflagradas. Na campanha de 2018, ensaiou um lamento: "As milícias tinham plena aceitação popular, mas depois acabaram se desvirtuando. Passaram a cobrar gatonet e gás".
O então presidenciável esqueceu de mencionar o transporte clandestino e as construções ilegais. Os lapsos de memória são compreensíveis. Bolsonaro tinha ao seu redor o ex-sargento e operador de rachadinhas Fabrício Queiroz, além do ex-capitão Adriano da Nóbrega. O primeiro livrou-se da cadeia graças a prestígio dos amigos nos tribunais superiores de Brasília. O segundo foi passado nas armas no interior da Bahia.
No Rio, Bolsonaro impulsionou a eleição de Witzel, um ex-juiz que prometeu extinguir a corrupção e "mirar na cabecinha" dos bandidos. Foi deposto por desvio de verbas da saúde. Antes disso, Luiz Pezão, o antecessor de Witzel, armou com Michel Temer uma intervenção federal cenográfica na segurança do Rio.
Eis o que disse Temer na ocasião: o governo adotará "todas as providências necessárias para enfrentar e derrotar o crime organizado e as quadrilhas" que infernizam o Rio de Janeiro. Faltavam dez meses para o melancólico encerramento de sua gestão. De no que está dando. Chefiava a "intervenção" o general Braga Netto, hoje ministro da Defesa e opção de candidato a vice na chapa de Bolsonaro.
Nesta quarta-feira, enquanto a polícia escalava o Jacarezinho, Claudio Castro, o governador-tampão do Rio, passava o pires em Brasília. Sob intensa oposição do Tesouro Nacional e da Procuradoria da Fazenda Nacional, tenta convencer a gestão Bolsonaro a ignorar pareceres técnicos que desaconselham a admissão do Rio na UTI federal do plano de recuperação fiscal.
De duas, uma: ou Bolsonaro adere ao espetáculo do seu aliado ou Castro terá de explicar na entrevista de sábado como fará para levantar a lona do circo eleitoral da segurança pública, com o prometido viés social, sem bilheteria.
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