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Josias de Souza

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Descoberta, enfim, vocação de Aras: Papai Noel

Colunista do UOL

20/01/2022 10h46

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Quando o Congresso Constituinte transformou o Ministério Público numa entidade independente, imaginou-se que o país havia sido presenteado com uma instituição forte. Decorridos 34 anos, o brasileiro constata que foi condenado a conviver com mais uma corporação viciada em privilégios. Há no MP federal 1.145 procuradores. Desse total, 720 (62,8%) receberam supersalários em dezembro.

Foi uma farra: 491 procuradores ganharam mais de R$ 100 mil; 158 receberam mais de R$ 200 mil; 53 beliscaram mais de R$ 300 mil; 18 felizardos foram agraciados com cifras superiores a R$ 400 mil. Um único procurador levou R$ 446 mil. O contracheque de outro roçou a casa do meio milhão: R$ 471 mil.

Nesse Natal custeado pelo contribuinte, coube a Augusto Aras o papel de Papai Noel. O procurador-geral da República autorizou, entre outras regalias, o pagamento de abono de férias de 2022. Liberou o pagamento de um benefício extra-salarial acumulado pelos procuradores. Chama-se licença-prêmio. A cada cinco anos de trabalho, o sujeito ganha um descanso remunerado de três meses. Que pode ser convertido em dinheiro.

Os dados foram levados à vitrine pelo Estadão. Em condições normais, seria apenas mais um escândalo. Numa época de pandemia, tornou-se um escárnio especialmente revoltante, porque o desemprego, a redução de jornada e a poda de salários converteram-se fenômenos ainda mais triviais na iniciativa privada. Em nota, a Procuradoria batizou o absurdo de "dívidas da União para com membros do Ministério Público." Coisa feita dentro da lei. Atribuiu os desembolsos a uma "sobra orçamentária".

Recomenda-se a Augusto Aras que evite repetir esse tipo de argumento no balcão de uma lanchonete de rodoviária. Ali, trabalhadores que aguardam pelo transporte teriam dificuldades para compreender como procuradores recebem contracheques de mais de R$ 400 mil num país em que metade da população rala para obter menos de três salários mínimos, convivendo com a sobra do mês no fim do salário.