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Bolsonaro estilhaçou imagem da Polícia Federal
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Em Brasília, quase tudo o que se vê, se sente e se respira conspira. Quem viu o vídeo da fatídica reunião ministerial de 22 de abril de 2020 sentiu que a Polícia Federal corria perigo. Bastou respirar o cheiro de queimado que emanava dos comentários de Bolsonaro. "Vai trocar", disse o presidente. "Se não puder trocar, troca o chefe dele. Não pode trocar o chefe dele? Troca o ministro. E ponto final. Não estamos aqui para brincadeira."
Decorridos quase dois anos, Bolsonaro demonstrou que não estava mesmo para brinquedo. Trocou o "traidor" Sergio Moro por um amigo dos seus filhos, Anderson Torres, no Ministério da Justiça. Substituiu o diretor-geral da Polícia Federal cinco vezes. E autorizou duas dezenas de remoções em postos de chefia nas superintendências estaduais do órgão. Houve mais do que mero aparelhamento político. Bolsonaro estilhaçou a imagem da PF.
Bolsonaro parecia menos ambicioso quando olhou para Moro naquela reunião de dois anos atrás para avisar que não esperaria "foder minha família toda de sacanagem ou amigo meu" para interferir na "segurança" do Rio de Janeiro. Num instante em que se imaginava que o presidente estivesse satisfeito com o trabalho de Paulo Maiurino, a Casa Civil da Presidência mandou publicar a exoneração do diretor-geral da PF numa edição extraordinária do Diário Oficial.
Maiurino faria aniversário de um ano no posto em abril. Foi substituído pelo delegado Márcio Nunes de Oliveira, o número Dois do Ministério da Justiça. Atribuiu-se a decisão ao ministro Anderson Torres. Conversa mole. Quem tem calos como os de Bolsonaro, protagonista de meia dúzia de investigações criminais, não terceiriza a escolha de um subordinado que pode metê-lo em apertos.
A saída de Maiurino causou certa estupefação, pois generalizou-se a percepção de que o delegado se esmerava nas adulações ao presidente e seus filhos. Por exemplo: afastou a delegada Dominique de Castro Oliveira da Interpol depois que ela colocou para andar o pedido de extradição de Allan dos Santos, o blogueiro bolsonarista que foge nos Estados Unidos de uma ordem de prisão emitida pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo.
Ao promover uma dança de cadeiras nas superintendências estaduais da PF, Maiurino exportou pelo menos quatro delegados do Rio de Janeiro, berço eleitoral de Bolsonaro, para outras praças. No Distrito Federal, por exemplo, acomodou Victor Cesar Carvalho dos Santos. O personagem assumiu no lugar de Hugo de Barros Correia, que se recusara a compartilhar informações sobre inquéritos em andamento. Um dos processos envolve Jair Renan, o filho Zero Quatro do mito.
Mais recentemente, Maiurino empurrou a PF para dentro da campanha eleitoral ao divulgar nota oficial intitulada "Moro Mente." No texto, contraditou Sergio Moro, desafeto do chefe, que dissera não haver "ninguém no Brasil sendo investigado e preso por grande corrupção."
Maiurino não havia demonstrado a mesma preocupação em defender a corporação quando outro presidenciável, Ciro Gomes, classificara uma batida de busca e apreensão dos rapazes da PF em sua casa de ação do "braço do Estado policialesco de Bolsonaro."
Um dos inquéritos que correm no Supremo contra Bolsonaro nasceu da acusação feita por Moro de que seu ex-chefe estaria transformando a PF num aparelho político para proteger amigos e perseguir adversários. Depois que Moro deixou o Ministério da Justiça chutando a porta, Bolsonaro instalou na pasta uma porta giratória.
O delegado Maurício Valeixo saiu junto com Moro. Após a sua exoneração, foram nomeados: Alexandre Ramagem, que teve a posse barrada pelo Supremo, Rolando de Souza, Paulo Maiurino e, agora, Márcio de Oliveira. A alta rotatividade não impede o Planalto de sustentar que nada de anormal acontece na PF. Entretanto, não há força no universo capaz de eliminar a maledicência segundo a qual, sob Bolsonaro, nada tornou-se uma palavra que ultrapassa tudo.
Alexandre Saraiva, delegado que acusou o então ministro Ricardo Salles (Meio Ambiente) de favorecer madeireiros ilegais, foi afastado da chefia da PF no Amazonas. O delegado William Tito adquiriu prestígio depois de concluir que Bolsonaro não prevaricou ao ignorar as denúncias de irregularidades que lhe chegaram sobre o contrato de compra da vacina indiana Covaxin.
Noutro processo, Bolsonaro recusou-se a prestar depoimento à delegada Denisse Ribeiro. Ela reuniu sólidos indícios de que o presidente vazou e deturpou dados de um inquérito sigiloso para mentir sobre vulnerabilidades inexistentes nas urnas eletrônicas.
Três das coisas mais perigosas para um governo são a imprensa livre, a Procuradoria ativa e a Polícia Federal autônoma. Bolsonaro se contrapõe à imprensa profissional difundindo notícias falsas. Acomodou na Procuradoria um procurador sem vocação para procurar. E conduz com sucesso a demolição da PF. Conseguiu avacalhar um órgão que já foi respeitado.
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