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Josias de Souza

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Justiça eleitoral cai em arapuca de Bolsonaro

Bolsonaro participa de reunião do Alto Comando  - Divulgação/Defesa
Bolsonaro participa de reunião do Alto Comando Imagem: Divulgação/Defesa

Colunista do UOL

07/05/2022 12h08

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São desconhecidos os planos de Bolsonaro para conter a inflação que condena os brasileiros pobres ao fim do mês perpétuo. Mas ninguém ignora que o presidente prepara um sururu de farda. O TSE caiu na armadilha ao admitir Heber Portella, um dos generais do capitão, num colegiado composto para dar transparência ao processo eleitoral. Bolsonaro agora cavalga o cavalo de Tróia que enfiou dentro do TSE para acusar a Justiça Eleitoral de falta de transparência. Numa evidência de que há males que vêm para pior, o TSE caiu numa segunda arapuca de Bolsonaro. Aceitou jogar no campo do adversário, com os refletores apagados.

O ministro da Defesa, Paulo Sérgio de Oliveira, outro general a serviço do capitão, desafiou o Tribunal Superior Eleitoral a divulgar documentos das Forças Armadas "de interesse da Comissão de Transparência das Eleições". Presidente do TSE, o ministro Edson Fachin respondeu que os apontamentos dos militares "podem ser colocados ao pleno conhecimento público, sem que haja qualquer objeção por parte da Corte Eleitoral". Flutua na atmosfera uma interrogação perturbadora: afinal, cadê o papelório dos militares?

Adicionou-se na receita do sururu um jogo de empurra com ingredientes indigestos. Nesse jogo, o pedaço bolsonarista das Forças Armadas entra com o fogo e a Justiça Eleitoral fornece o óleo para que Bolsonaro leve adiante a estratégia de fritar o TSE na sua própria gordura. Nunca deixe para amanhã o que você pode deixar hoje, eis o lema dos jogadores. Essa pantomima só interessa aos propósitos arruaceiros de Bolsonaro.

Os trabalhos da Comissão de Transparência do TSE já foram encerrados. De um total de 44 sugestões oferecidas por representantes de universidades, de entidades civis, da PF e das Forças Armadas, adotaram-se dez providências. Aprimoram o processo eleitoral, tornando-o ainda mais visível e seguro do que vem se revelando desde que foi criado, há 26 anos.

Nem todos os palpites do general Heber Portella foram acolhidos. Rejeitou-se, por exemplo, a sugestão para que fossem adotadas medidas que permitissem a "validação e contagem de cada voto sufragado". O agente que Bolsonaro infiltrou na comissão alegou que "não foi possível visualizar medidas a serem tomadas em caso da constatação de irregularidades nas eleições". O TSE rebateu o lero-lero do general num documento de dez páginas.

Depois disso, Bolsonaro declarou que "uma das sugestões" do seu general foi a de encostar computadores das Forças Armadas no sistema de apuração das urnas. Na fábula do presidente, seria plugada numa hipotética "sala secreta" onde o TSE manteria seus computadores uma "ramificação um pouquinho à direita para que tenhamos do lado um computador também das Forças Armadas, para contar os votos no Brasil." Mais uma vez: cadê as propostas dos militares?

Dias atrás, o general Paulo Sérgio despejou sua autoridade de titular da pasta da Defesa em cima de uma nota na qual disse ter enxergado "ofensa grave" numa declaração "irresponsável" do ministro do Supremo Luís Roberto Barroso. Em palestra apinhada de referências elogiosas aos militares, Barroso dissera para estudantes de uma universidade alemã que as Forças Armadas vem sendo "orientadas a atacar o processo eleitoral". Barroso presidia o TSE quando um militar foi incluído na Comissão de Transparência das Eleições.

Uma semana depois de emitir a nota tóxica contra Barroso, ordenada e supervisionada por Bolsonaro, o general Paulo Sérgio reuniu-se com o presidente do Supremo, Luiz Fux. Horas antes do encontro com o magistrado, deixou-se fotografar com Bolsonaro a tiracolo numa reunião do Alto-Comando do Exército. Foi como se insinuasse que iria ao prédio da Suprema Corte não como ministro, mas como general da tropa do capitão.

Fux mandou entregar aos jornalistas uma nota cujo texto festejou o encontro com o general como um fator de prestígio à democracia. Na sequência, seu interlocutor diria, também por meio de nota, que valoriza o "respeito entre as instituições". O general Paulo Sérgio mencionou a "colaboração" dos militares para o processo eleitoral. E realçou "o permanente estado de prontidão das Forças Armadas para o cumprimento de suas missões constitucionais". Faltou definir a palavra missões.

Por ora, os generais do capitão parecem empenhados no cumprimento da missão inconstitucional de avacalhar o processo eleitoral. Na última quinta-feira, na sua tradicional transmissão ao vivo pelas redes sociais, Bolsonaro anunciou o plano de utilizar o dinheiro público que o Tesouro despeja na caixa registradora do PL de Valdemar Costa Neto para custear uma auditoria das eleições. Disse que os papeis do general Heber Portella, seu cavalo de Tróia, serão repassados à empresa privada que o partido contratará.

Pela lei, qualquer partido político pode auditar o resultado das eleições. Para que isso ocorra é preciso, naturalmente, aguardar pela abertura das urnas. A auditoria idealizada por Bolsonaro é diferente. Ocorreria antes que o primeiro voto fosse depositado na primeira urna. O presidente antecipa o resultado da auditoria antes mesmo de sua contratação:

Segundo Bolsonaro, a empresa "pode, daqui a 30, 40 dias, chegar à conclusão de que, dada a documentação que tem na mão, dado o que já foi feito até o momento para melhor termos eleições livres de qualquer suspeita de ingerência externa, pode falar que é impossível auditar e não aceitar fazer o trabalho." E daí? O TSE e seus ministros ficariam "numa situação bastante complicada".

O fogo está alto. Saltando da frigideira agora, o TSE ainda pode jogar óleo quente no colo do presidente. Esticando a fritura até depois da eleição, a Corte Eleitoral fornece material para que Bolsonaro imite o ídolo Donald Trump, promovendo uma algazarra como a do Capitólio. Nessa hipótese, carboniza-se a democracia. Ou o que ainda resta dela. De novo: Cadê o papelório do Heber Portella?