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Josias de Souza

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Petrobras é aviltada por quem já violou seu cofre

Foto: Montagem AutoPapo | Ernani Abrahão
Imagem: Foto: Montagem AutoPapo | Ernani Abrahão

Colunista do UOL

17/06/2022 05h50

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Quando se fala sobre Petrobras e assaltos, convém perguntar logo: de fora pra dentro ou de dentro pra fora? Bolsonaro declarou guerra à estatal. Trata aumento do preço de combustível como roubo. E chama de estupro os lucros da companhia. Alistaram-se no pelotão de petrofuzilamento Ciro Nogueira e Arthur Lira, oligarcas do PP, o partido que ocupava o topo do ranking de encrencados no petrolão. Ou seja: sob Bolsonaro, a Petrobras é aviltada de fora pra dentro por quem roubava seus cofres de dentro pra fora no verão petista.

Pressionada a promover um congelamento artificial à moda Dilma Rousseff para reeleger Bolsonaro, a Petrobras convocou seu Conselho de Administração. O colegiado reuniu-se extraordinariamente na folga de Corpus Christi. Foi uma reunião de tema único: "Aumento de preço." O pedido para travar os reajustes foi refutado. Concluiu-se que a decisão sobre preços cabe à diretoria da Petrobras, não ao Planalto. O tempo fechou no comitê da reeleição. Nesta sexta-feira, alheia à temperatura eleitoral, a Petrobras anunciou os novos reajustes: 5,18% para a gasolina, 14,26% para o diesel.

Na véspera, ao farejar o cheiro de queimado, Bolsonaro declarou que a decisão tem motivação política. Ciro Nogueira e Arthur Lira, chefões da Casa Civil e da Câmara, rosnaram no Twitter. "Basta! Chegou a hora", anotou Ciro. "A Petrobras não é de seus diretores. É do Brasil. E não pode [...] ignorar sua função social e abandonar os brasileiros na maior crise do último século."

Lira tratou a maior empresa nacional como se fosse uma nação inimiga: "A República Federativa da Petrobras, um país independente e em declarado estado de guerra em relação ao Brasil e ao povo brasileiro, parece ter anunciado o bombardeio de um novo aumento nos combustíveis." O deputado também mencionou a "função social" da estatal.

Com a inflação a lhe roer as pretensões eleitorais, Bolsonaro transformou os preços dos combustíveis num cavalo de batalha. Cavalgando com o centrão na garupa, levou à vitrine um pacote populista que aplica uma Eletrobras em subsídios para anestesiar a carestia da energia e dos combustíveis.

A turma da reeleição acha inconcebível que a Petrobras promova novos reajustes antes do término da preparação do coquetel de sedativos. Ironicamente, Bolsonaro esgrime projetos desenhados em cima do joelho para obter nos quatro meses que o separam das urnas o que não conseguiu levar à vitrine em quase quatro anos de mandato.

A implicância de Bolsonaro com a política de reajustes da Petrobras vem de longe. Na oposição, jogou gasolina no ânimo dos caminhoneiros na greve que envenenou o PIB no governo de Michel Temer. No Poder, o oportunismo do capitão deu as caras nos primeiros 100 dias de governo.

A Petrobras perdeu R$ 32,4 bilhões em valor de mercado quando, pressionado por caminhoneiros, Bolsonaro disparou um telefonema para ordenar à estatal que recuasse de um aumento no preço do diesel. A encrenca ocorreu em 11 de abril de 2019.

Nesse dia, por uma cilada do azar, Paulo Guedes vendia um "novo Brasil" para investidores estrangeiros, em Nova York. Alcançado pelas câmeras e pelos microfones, o Posto Ipiranga travou com os repórteres um diálogo constrangedor sobre Petrobras.

— O presidente Bolsonaro consultou o senhor?

— Eu passei o dia inteiro trabalhando. Não tenho informação suficiente.

— Mas então o senhor não foi consultado? Se o senhor não sabe, o senhor não foi consultado.

— Eu tenho um silêncio ensurdecedor para os senhores.

— O senhor não foi consultado, ministro?

— Um silêncio ensurdecedor sobre o assunto.

Distanciando-se dos microfones, Paulo Guedes deixou escorrer dos lábios um derradeiro comentário. Classificou de "inferência razoável" a suposição de que Bolsonaro não o consultara antes de intervir na política de preços da Petrobras.

Com o receio de que um incêndio no Posto Ipiranga jogasse o governo pelos ares, Bolsonaro refugiou-se na trincheira do Twitter dois dias depois. Estava armado de cinismo.

"Nossa política é de mercado aberto e de não intervenção na economia", escreveu na época o inquilino do Planalto. "O presidente da Petrobras, após nos ouvir, suspendeu temporariamente o reajuste. Convoquei os responsáveis pela política de preços para reunião, junto com os ministros da Economia, Infraestrutura e Minas e Energia."

Hoje, Bolsonaro dedica-se a carbonizar chefes da Petrobras com o aval e a ajuda de uma aliança iliberal de Paulo Guedes com o centrão. É difícil observar a cruzada dessa gente sem reprimir uma espécie de sorriso interior. Quem vê um presidente que chegou ao Planalto surfando a onda da Lava Jato esbravejando junto com petrodelinquentes em nome dos consumidores recebe o aviso de uma voz que vem das profundezas da consciência: "Farsantes!"