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Josias de Souza

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Comitê da reeleição espera mais de Michele

Colunista do UOL

08/08/2022 16h21

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Cada um carrega a sua cruz. Como a religiosidade de Bolsonaro não é 100% digna de fé, Michelle passou a carregar duas. Além de combater os ímpios, a primeira-dama foi convencida a colocar sua crença a serviço do marketing do comitê da reeleição. Assimilou uma regra antiga das campanhas eleitorais. Foi importada da propaganda. Baseia-se numa máxima trivial: Personalize.

Assim como na comercialização de produtos, qualquer coisa pode ser vendida na política —de hipocrisia à mistificação— se tiver uma cara e um enredo. Dê um nome ao seu inimigo, ornamente-o com adereços diabólicos, e pronto! Numa campanha eleitoral, a identificação do demônio libera o exorcista do exame de todo o mal. A começar pelo autoexame.

No domingo, pregando ao lado do marido num megaculto evangélico em Belo Horizonte, Michelle Bolsonaro disse que "por muito tempo" os ambientes presidenciais —da cozinha do Alvorada ao gabinete no Planalto— foram "consagrados ao demônio". Hoje, disse ela a uma congregação Batista, tudo é "consagrado ao Senhor Jesus".

Ecoando o enredo bolsonarista, Michelle referiu-se à sucessão de 2022 como "uma guerra do bem contra o mal". Lula, naturalmente, seria a personificação do Tinhoso. Bolsonaro, um preposto dos céus. Nessa versão, o trono é ocupado no momento não pelo marido da pregadora, mas por Deus —o "presidente maior", o "rei que governa essa nação".

Lacrimoso, Bolsonaro manteve o diapasão de Michelle ao repetir que não faz na Presidência senão cumprir uma "missão de Deus". A marquetagem da campanha deseja ampliar a participação de Michelle, expondo sua figura na propaganda televisiva. Na avaliação do comitê, enquanto ficar restrita ao script que mistura religião e ideologia, a primeira-dama, como o marido, fala para convertidos.

Não é que a pregação de Michelle seja vista como uma inutilidade. Ao contrário. Atribui-se parcialmente a ela a subida do prestígio de Bolsonaro entre os eleitores evangélicos e junto ao eleitorado feminino. Entretanto, avalia-se que a boa estampa da primeira-dama, em contraposição à carranca do marido, pode render votos também fora dos templos.

No culto da capital mineira, Bolsonaro declarou que tem ouvido do povo nas suas andanças pelo país três expressões de estímulo: "Não desista", "Deus te abençoe" e "estamos orando por você." Horas depois, ouviu coisa diferente numa churrascaria em São Paulo. Foi brindado com gritos de "fora" e "vagabundo". O amigo Luciano Hang, dono da rede de lojas Havan, teve de puxar palmas para estimular a reação favorável de parte da clientela da casa.

Na sequência, Bolsonaro foi hostilizado no estádio de futebol. As arquibancadas gritaram uma expressão chula. Numa tradição livre, recomendaram ao visitante a prática da autofornicação. Uma evidência de que Deus —ou a versão bolsonarista de Deus— não dá expediente full time.