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Josias de Souza

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Rachadinha e patriotismo neste Dia dos Pais

                                (Reprodução/Redes Sociais
Imagem: (Reprodução/Redes Sociais

Colunista do UOL

14/08/2022 10h18

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Bolsonaro abomina debates presidenciais. Mas tomou gosto pelos canais de internet. Após falar por mais de cinco horas ao podcast Flow, conversou com o "Cara a Tapa" neste sábado. A alturas tantas, o lero-lero deslizou para a "rachadinha". O presidente declarou que a prática de morder parte do contracheque de assessores é "meio comum". Disse que, na política, "sobra pouca gente" que não aderiu a essa modalidade de peculato. Perguntou-se ao capitão se ele sobraria. Saltou de banda: "Não vou falar de mim. Sou suspeito para falar de mim."

As declarações do presidente são desmoralizantes, constrangedoras e aterrorizantes. Desmoralizam porque magnificam a percepção de que há no Planalto um micropresidente. Constrangem porque, nesta época de semântica desvairada, já não se chamam de corruptos os larápios de verbas públicas. São apenas políticos movidos pela ideologia da rachadinha. Aterrorizam porque quem é capaz de naturalizar a versão miniaturizada do velho patrimonialismo será incapaz de fazer a concessão de uma surpresa diante do hábito do centrão de plantar bananeira dentro dos cofres.

Contribuinte que ouve Bolsonaro falando sobre rachadinha é tomado de assalto (ops!) pela percepção de que o Tesouro Nacional é um território indefeso. Além de dizer que a prática é corriqueira, o capitão declarou que ela está presente em todos os Poderes. "É meio comum. Não só no Legislativo, não. Também no Executivo. Até no outro Poder [Judiciário] também. Cargo de comissão, você pode colocar quem você bem entender."

Há um quê de humildade nas declarações do patriarca do clã presidencial. A rachadinha é mesmo "meio comum". Mas só Bolsonaro conseguiu transformar a perversão numa holding familiar. Os arquivos da Câmara revelam que o gabinete do capitão foi palco de muitas esquisitices nos 28 anos em que ele deu expediente no Legislativo.

Assessores eram demitidos e recontratados no mesmo dia. As rescisões de mentirinha rendiam 13º proporcional, indenização e férias. Da noite para o dia, remunerações dobravam, triplicavam e até quadruplicavam. De repente, caíam a menos da metade. Transferidos de pai para filho, pelo menos nove auxiliares de Bolsonaro viraram assessores do primogênito Flávio na época em que ele era deputado estadual no Rio de Janeiro. Todos tiveram o sigilo bancário quebrado no célebre caso da rachadinha, trancado pelos tribunais superiores de Brasília.

Carlos Bolsonaro, primeiro vereador federal da história, também é protagonista de inquérito sobre a contratação de fantasmas em gabinete na Câmara Municipal do Rio. O Globo já revelou que, desde a década de 90, engancharam-se nos mandatos do patriarca Jair e dos filhos Flávio, Eduardo e Carlos 102 pessoas com algum parentesco entre si, em 32 núcleos familiares.

A perversão por vezes se interconecta. Carlos empregou em seu gabinete parentes da ex-mulher de seu pai. O operador da rachadinha de Flávio, o amigo Fabrício Queiroz borrifou R$ 89 mil na conta da primeira-dama Michelle Bolsonaro. Hoje, Queiroz tenta retornar à cena do crime. Concorre a uma vaga de deputado estadual no Rio.

Bolsonaro é um patriota peculiar. Defensor intransigente do patriotismo, ainda não conseguiu melhorar a pátria. Mas conseguiu passar seus valore$ para os filhos. Ensinou aos garotos, desde o berço, a importância de amar a pátria. Adultos, seguiram o exemplo do pai. Casaram-se com a pátria. E passaram a morar no déficit público.

Neste domingo, o clã Bolsonaro está exultante. O Dia dos Pais é uma grande data para a família presidencial. Tomado pela eticazinha que exibe ao falar sobre rachadinha, Bolsonaro cultiva valores morais que cabem numa caixa de fósforo. Em compensação, a prosperidade da família é exuberante. A prole do capitão tem muito a comemorar.