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Josias de Souza

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Na largada de 2022, o palanque virou púlpito

Colunista do UOL

16/08/2022 18h55

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Algo de muito estranho sucedeu no Reino dos Céus —ou nas profundezas do inferno— para que a corrida presidencial de 2022 começasse sob o signo do misticismo religioso. O ato inaugural da campanha de Lula foi a porta da fábrica da Volkswagen em São Bernardo do Campo, berço político do candidato, onde ele diz ter nascido politicamente. O comício de estreia de Bolsonaro foi em Juiz de Fora, no local onde ele afirma ter renascido depois de ser esfaqueado em 2018. Numa campanha em que o colete a prova de balas virou peça obrigatória no figurino dos candidatos, os dois falaram aos seus devotos sobre Deus. Ou sobre o demônio. Transformaram palanque em púlpito.

Bolsonaro fez dois discursos. Num, pronunciado após pousar em Juiz de Fora, o presidente dirigiu-se a líderes religiosos. Disse ter sido abençoado por três milagres. No primeiro, sobreviveu à facada. No segundo, foi eleito. No terceiro, compôs sua equipe de ministros "sem aceitar pressões partidárias". Noutro discurso, do alto de um carro de som, Bolsonaro insinuou que livrou o Brasil do socialismo. Declarou que o país era "roubado pela esquerdalha". Em êxtase, seus devotos gritavam "Lula ladrão" sem se dar conta de que os vendilhões do templo do centrão, sócios do PT no mensalão e no petrolão, hoje rezam pelo catecismo de Bolsonaro em troca do dízimo do orçamento secreto.

Preocupado com a perda de prestígio junto ao eleitorado religioso, Lula morde todas as iscas lançadas pelo rival. Chamou Bolsonaro de "fariseu", um outro nome para o farsante que ostenta virtudes inexistentes. Acusou-o de tentar "manipular a boa-fé de homens e mulheres evangélicos."

Dias depois de a primeira-dama Michelle Bolsonaro ter compartilhado nas redes sociais mensagem em que o adversário do marido é acusado de fazer pacto com o Tinhoso para retornar ao Planalto, Lula recordou a frieza anticientífica exibida por Bolsonaro na pandemia. E sapecou: "Se tem alguém que é possuído pelo demônio, é esse Bolsonaro."

Em Juiz de Fora, Bolsonaro misturou ideologia com religião sob o pretexto de que é preciso assegurar "que amanhã ninguém nos proíba de acreditar em Deus". Ecoava o deputado-pastor Marco Feliciano, que vincula o eventual retorno de Lula ao risco de "fechamento de igrejas." Em São Bernardo, Lula lembrou que, como presidente, sancionou em 2009 a lei que criou o Dia da Marcha para Jesus, proposta pelo bispo da Igreja Universal Marcelo Crivella, que na época era senador.

Deus, como se sabe, existe. Mas a campanha eleitoral no Brasil indica que Ele já não dá expediente full time. Do contrário, já teria aparecido para Lula e Bolsonaro, informando a ambos que eles estão disputando o cargo de presidente do Brasil, não de pastor. Ou de exorcista.