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Josias de Souza

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Lula compra no varejo apoio que Bolsonaro pagou no atacadão do centrão

Colunista do UOL

01/02/2023 13h51

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Na gestão Bolsonaro, Arthur Lira realizou o sonho de ser primeiro-ministro. Agora, vai se dedicar a realizar o pesadelo do presidente da República. Lira forçará Lula a comprar no varejo o apoio legislativo que o antecessor pagou ao centrão no atacadão do orçamento secreto. É uma ilusão imaginar que o Supremo Tribunal Federal desceu Lira do pedestal ao decretar a inconstitucionalidade da distribuição sigilosa de verbas orçamentárias.

Depois da decisão judicial, Lira operou para que os R$ 19,4 bilhões reservados para as emendas secretas em 2023 fossem redistribuídos. Metade foi para as emendas individuais dos parlamentares, cuja execução é obrigatória. A liberação da outra metade dependerá dos ministérios. Lira se oferece aos deputados como atalho para o cofre. Negociará caro cada votação de interesse do governo. Algo semelhante ocorrerá no Senado. Com a diferença de que os senadores tendem a mercadejar os seus interesses sem intermediários.

Além das verbas, há os cargos. Embora esteja escaldado pelo mensalão e pelo petrolão, Lula e seus apoiadores negociam poltronas na engrenagem federal como se não temessem transformar o governo em novos escândalos esperando na fila para acontecer.

Bolsonaro entregou ao centrão a alma, a Casa Civil e cofres tão estratégicos quanto o do Fundo Nacional de Educação. Deu em escândalo. No caso de Lula, algumas encrencas já chegaram prontas. Ganharam a Esplanada uma ministra com vínculos milicianos, um ministro condenado por improbidade e outro que aplicou R$ 5 milhões do orçamento secreto no asfaltamento de rodovia que serve à sua fazenda.

No Senado, o receio de uma zebra bolsonarista levou o Planalto a encostar na disputa o balcão das vagas federais de segundo escalão. Até a semana passada, os partidários de Rodrigo Pacheco, preferido de Lula, estimavam que ele seria reeleito presidente do Senado com folgas. Teria em torno de 55 votos. Com o passar dos dias, o bloco de Pacheco revelou-se uma espécie de cavalo de Troia que transportava na barriga traidores a serviço da candidatura do desafiante bolsonarista Rogério Marinho.

Surpreendido com o risco de virada, Lula abandonou a pose de magistrado equidistante. Mergulhou no fisiologismo. Estão sobre o balcão postos em repartições variadas. As siglas mais cobiçadas evocam escândalos do passado recente e também do remoto: FNDE, Codevasf, Dnocs, Sudene, Sudam, Correios...

O ex-bolsonarista Efraim Filho, por exemplo, esgrimiu sua indecisão entre Marinho e Pacheco para enfiar um aliado na superintendência dos Correios na Paraíba. O senador Irajá Abreu encomendou abrigo para um apaniguado no escritório da Codesvasf no Tocantins.

Chico Rodrigues, que migrou espetacularmente do bolsonarismo para o socialismo lulista do PSB, traduziu de forma singela a linguagem do armazém. Disse ao Globo o seguinte: "Quem está na base do governo precisa ter mais espaço, ser acomodado em cargos no estado ou com projeção nacional. Isso é natural."

Ecoando a naturalidade do neoaliado, o petista Jaques Wagner, líder de Lula no Senado, diz que os colegas querem que as nomeações sejam aceleradas, "para ficar uma coisa mais certa".

Há momentos em que as nações precisam desesperadamente de bom gosto. No Brasil, depois dos ataques golpistas aos Três Poderes, o bom gosto tornou-se gênero de primeira necessidade, para compensar o surto de insanidade que levou ao quebra-quebra. Restaurou-se o ambiente físico dos prédios públicos. Mas um déficit estético marca o retorno do Congresso às suas atividades nesta quarta-feira.