Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Chuvas mostram que governos também matam
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Se os cadáveres encontrados sob a lama do litoral norte de São Paulo serviram para alguma coisa foi para reforçar os indícios de que, no Brasil, os governos são mais perigosos do que as chuvas. As digitais do Estado estão em toda parte. O processo de urbanização caótico empurrou os pobres para zonas de risco. O descaso potencializou o risco.
Graças à tecnologia, o dilúvio do Carnaval foi farejado em Brasília na quinta-feira. Na sexta, houve reunião virtual do Cemaden, órgão federal de monitoramento de desastres, com a Defesa Civil de São Paulo. Os técnicos acertaram no olho da mosca. Apontaram a vila do Sahy como área de alto risco para deslizamento. Foi ali que morreu mais gente.
Entre a noite de sábado e a madrugada de domingo, mensagens de texto confundiam os moradores: "Não enfrente alagamentos", anotavam os alertas, antes de aconselhar: "Se precisar saia do local". Ora, como deixar as casas sem atravessar os alagamentos?
A lama já descia dos morros. Não há sirenes no pé do morro. Nem sinal de ônibus ou canoa na porta. Nada de plano de fuga. Mapeamento dos abrigos, nem pensar. Consumado o desastre, a Procuradoria do Estado pediu e obteve do judiciário autorização para retirar moradores de suas casas na marra.
O caso do litoral norte de São Paulo não é de morte por tragédia natural, mas de homicídio por ação ou omissão estatal. Um descalabro de décadas. Abandonado à própria sorte, o brasileiro pobre da zona de risco é instado a concluir que não convém conversar com agentes do Estado senão em legítima defesa.
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