Josias de Souza

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Opinião

Prevalecerá na Argentina o voto da rejeição, não o da preferência

Em todas as comparações possíveis entre as histórias da Argentina e do Brasil, sobressai um detalhe: para o bem ou para o mal, os argentinos sempre foram um pouco mais longe. O peronismo mexeu mais profundamente na alma dos vizinhos do que o getulismo com a dos brasileiros. A ditadura militar deles foi mais sangrenta do que a nossa. Produziu mais desaparecidos. No Brasil, os militares foram anistiados. Na Argentina, foram julgados e sentenciados. As crises econômicas, políticas e sociais infelicitam o vizinho há 80 anos. Aqui, os ciclos de ruína foram intercalados por iniciativas atenuatórias —o Plano Real e programas sociais como o Bolsa Família, por exemplo.

Neste domingo, vão à sorte das urnas na Argentina, em situação de empate técnico, dois candidatos precários à Casa Rosada: o ultradireitista escancarado Javier Milei e o peronista envergonhado Sergio Massa. Dependendo do resultado, a Argentina confirmará a sina histórica de levar a analogia com o Brasil longe demais. Não há alternativa ótima. Ministro da Economia do governo ruinoso de Alberto Fernández, Massa é uma opção ruim. Milei, um admirador declarado do bolsonarismo e do trumpismo, é muito pior. Consegue ser mais deletério do que Bolsonaro ou Trump.

A Argentina vive em 2023 uma conjuntura eleitoral marcada por fenômeno muito semelhante ao que embalou a sucessão brasileira de 2022. Massa e Milei terão os votos de pessoas que apreciam seus discursos. Mas ambos sabem que só serão eleitos se conseguirem amealhar os votos dos eleitores que não toleram a ideia de votar num ou noutro. Parte do eleitorado votará na maluquice de Milei só para não ver Massa na Presidência. Outra parte votará no ministro da Economia que cavalga uma inflação que supera os 140% em doze meses apenas para impedir a chegada ao Poder de um desafiante que coloca em risco a própria democracia.

Numa disputa assim, atravessada pela raiva, vigora não a preferência pelos candidatos, mas a rejeição. Dividido ao meio, o eleitor da Argentina corre o risco de barrar uma alternativa indesejada sem eleger um presidente capaz de unir a sociedade em torno de um esforço para retirar o país do abismo em que se encontra. Com Massa, a hipótese de a Argentina permanecer no buraco não é negligenciável. Entretanto, se optarem por Milei os argentinos jogarão terra em cima do que resta de sua democracia.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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