Sem nova marca, governo Lula ouve alarme da impopularidade
Lula e seus auxiliares iniciam a semana com uma ressaca de opinião pública. Ainda reagem de forma errática às mais recentes pesquisas Quaest, Ipec e Atlas. Uma ala do governo simula tranquilidade. Outra banda transpira preocupação. Os dois blocos avaliam que o governo vai bem. A diferença é que o pedaço do Planalto que se mantém tranquilo acha que o reconhecimento virá naturalmente, com o passar do tempo. E o naco preocupado considera essencial promover ajustes capazes de deter o viés de queda na taxa de aprovação de Lula e do desempenho do governo.
No segundo turno da campanha presidencial de 2022, chegou-se a falar na sorte de um país que dispunha de um líder popular com força para se contrapor ao obscurantismo antidemocrático de Bolsonaro. Mas as pesquisas penduradas nas manchetes neste alvorecer do segundo ano de Lula 3 mostraram que era falsa a ideia de que que a frente ampla que mandou o mito do arcaísmo mais cedo para casa desintoxicaria gradativamente a conjuntura nacional.
A aproximação das linhas de aprovação e reprovação mostrou que algo vai mal. Embora as pesquisas revelem uma acidez do eleitorado com as perspectivas econômicas, a economia exibe indicadores positivos. Na política, o novo governo sobreviveu à tentativa de golpe e aprovou no Congresso coisas como a nova regra fiscal, a taxação dos super-ricos e uma reforma tributária que rodopiava como parafuso espanado há mais de três décadas.
Restou a impressão de que o azedume que escorre das pesquisas decorre da incapacidade de Lula de convencer o eleitorado da tese segundo a qual "o Brasil voltou" para uma posição mais vantajosa do que aquela que ostentava sob Bolsonaro. Como o bolsonarismo se mantém sólido, os lulistas intranquilos alarmam-se com a percepção de que Lula, além de não atrair a simpatia dos eleitores do rival, distanciou-se de pessoas que votaram nele em 2022.
Segundo o Ipec, entre dezembro de 2023 e março, a avaliação positiva de Lula entre os que optaram pelo número do PT nas urnas caiu oito pontos, de 69% para 61%. No Nordeste, sua aprovação minguou de 52% para 43%. O aumento do salário médio e o revigoramento dos programas sociais melhoraram os indicadores socioeconômicos. Entretanto, a avaliação positiva de Lula sofreu uma erosão mesmo entre os que que ganham até um salário mínimo. Nesse nicho, despencou de 51% para 39%.
A imagem do presidente e do seu governo tornou-se um problema que tende a se agravar se for negligenciado. Daí a pressão do bloco intranquilo do Planalto para que Lula aperte parafusos que o brasileiro considera frouxos. Enquanto o alarme da impopularidade toca, os operadores políticos de Lula se esmeram nos palpites. O presidente já foi convencido de que precisa circular —não no exterior, mas no Brasil. O problema é que Lula já havia intensificado as viagens internas. Falta responder a uma pergunta singela: circular para quê?
As pesquisas sinalizam que o governo não conseguiu transmitir uma simbologia, uma marca. No primeiro ano, Lula quis apagar a era da destruição. Fechou a fábrica de demolição que Bolsonaro instalara no Planalto. Dedicou-se à reconstrução. Recuperou ou recriou programas de antigos governos petistas —Bolsa Família, Minha Casa e o PAC, por exemplo. Colocou em pé o Desenrola. O efeito positivo começou a se dissipar em agosto do ano passado, quando as linhas da aprovação e da desaprovação iniciaram um processo de aproximação nas pesquisas.
Circular para visitar projetos sociais, entregar chaves e lançar pedras fundamentais pode ser insuficiente para inverter as curvas. De resto, parece haver uma dissintonia entre as preocupações do eleitorado e de Lula. De acordo com dados expostos na pesquisa Atlas, é grande a inquietação dos brasileiros com temas que acomodam o país no centro do insolúvel. Instados a informar os assuntos que causam mais preocupação, 59,9% mencionaram criminalidade e tráfico de drogas. A corrupção foi citada por 58,8% dos entrevistados.
Lula repete à exaustão em seus pronunciamentos públicos que foi perseguido e injustiçado. Mas o eleitor, tomado pela pesquisa, dá a impressão de enxergar um abismo entre a anulação de sentenças e o conceito de inocente. O brasileiro indica não estar alheio a dois fatos: 1) A Lava Jato exorbitou, mas a corrupção confessada e ressarcida não é uma ficção; 2) Lula não foi absolvido nas mais de duas dezenas de processos abertos contra ele. A grossa maioria foi anulada ou arquivada pela prescrição que sobreveio ao deslocamento de Curitiba para Brasília.
O petismo demora a perceber que a unha encravada da corrupção não será eliminada com discursos. Numa fase em que a tentativa de rescrever a história inclui as canetadas com que o ministro do Supremo Dias Toffoli anulou multas bilionárias que empresas concordaram em pagar depois de confessar seus crimes, o eleitor pede argumentos compreensíveis, não lero-lero político.
Quanto ao combate à criminalidade organizada, trata-se de uma atribuição constitucional dos estados. Entretanto, antes de ser transferido para o Supremo Tribunal Federal, o ministro Flávio Dino, primeiro titular da pasta da Justiça no atual governo, já havia enxergado uma obviedade: a menos que consiga se tornar parte da solução, a União será vista como parte do problema.
Um recorte da pesquisa Quaest que só veio à luz no final de semana adiciona complicação ao esforço de Lula: explodiu de 64% para 83% a quantidade de brasileiros que acham que o país está dividido. Coisa parecida só havia sido detectada na fase subsequente ao 8 de janeiro.
Ou seja: além de associar um repertório de signos novos à sua própria imagem, Lula precisaria retirar do armário o figurino de pacificador que vestiu na campanha. Algo difícil para alguém que enxerga as eleições municipais como uma espécie de terceiro turno contra "a figura". Bolsonaro, que receava chegar a 2024 como matéria-prima exclusiva de Alexandre de Moraes e da Polícia Federal, agradece a deferência do rival.
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