Josias de Souza

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Opinião

'Tô nem aí' e 'nem sabia' tornam o escracho policial marca de SP

Para Guilherme Derrite, secretário de Segurança Pública de São Paulo, a Operação Verão "deu certo". Antes de discutir se a ação da polícia militar na Baixada Santista foi mesmo bem-sucedida seria necessário combinar o que é "dar certo". Convém definir quesitos, escolher índices, acertar critérios.

A letalidade policial, por exemplo, não é um dado relevante para o capitão Derrite. "Eu nem sabia que eram 56", disse o secretário sobre o número de pessoas mortas em ações envolvendo a PM entre fevereiro e 1º de abril, quando a operação foi encerrada.

Antes da Operação Verão veio, no final do ano passado, a Escudo. Em duas etapas, registrou 36 mortes. Tudo somado, a PM levou à cova na Baixada Santista 92 cadáveres. Letalidade semelhante não se via desde 1992, quando 111 presos foram mortos no massacre do Carandiru. O governo alega que os mortos da baixada eram "criminosos" que entraram em "confronto com as forças policiais".

De novo, seria preciso acertar critérios. Moradores, a ouvidoria da polícia, o Ministério Público e entidades civis sustentam que há inocentes entre os mortos. Apontam, de resto, casos de execução, omissão de socorro, invasão de domicílios e tortura. No mês passado, as violações foram levadas ao Conselho de Direitos Humanos da ONU. E o governador Tarcísio de Freitas: "Tô nem aí".

O capitão Derrite pareceu incomodado com o repórter que lhe perguntou sobre os mortos mais recentes. "O senhor mencionou 56, mas talvez tenha esquecido de mencionar os policiais que faleceram cumprindo sua missão. Perdemos os soldados Cosmo e Patrick Reis, o cabo Silveira... Essa é a vida real, não o mundo utópico de 'olha, teve número xis de mortes'."

É inusitada a lógica de um secretário de Segurança que invoca a selvageria da bandidagem para justificar a selvageria da polícia. Do modo como se expressa, Derrite parece achar que matar policiais é algo tão abominável que a polícia precisa matar quem mata. É a estatização da barbárie, com a conversão de cada contribuinte em cúmplice de assassinatos estatais.

Ainda que todos os mortos pela polícia fossem bandidos, os tiros que matam criminosos não matam o crime. O "tô nem aí" de Tarcísio e o "nem sabia" de Derrite apenas consolidam o escracho policial como marca de São Paulo.

Se apagar as diferenças entre o crime e a lei e igualar policiais a bandidos reduzisse a criminalidade, não seria necessário definir quesitos, escolher índices ou acertar critérios. Bastaria reduzir tudo ao nível da reciprocidade animal, como num torneio de facínoras.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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