Explicações ao Planalto fazem da Meta espécie de centauro digital

As explicações enviadas pela Meta ao governo brasileiro transformaram o conglomerado que controla o Facebook, o Instagram e o WhatsApp numa espécie de centauro. Assim como o ser mitológico, a empresa de Mark Zuckerberg mantém a cabeça e o tronco lá em cima, na economia digital, e o resto do corpo aqui embaixo, no obscurantismo da disseminação de ódio e desinformação.
Em vídeo divulgado na semana passada, Zuckerberg anunciou o fim de checagem do conteúdo veiculado por suas plataformas. Alegou que o programa resultava em "censura". Na resposta ao Planalto, a Meta anotou que, por enquanto, a novidade vale apenas para os Estados Unidos. Disse que só depois que estiver testado o sistema que transfere aos usuários a atribuição de adicionar notas ou correções às postagens tóxicas será expandido para "outros países".
A nova Política de Ódio adotada por Zuckerberg, válida também no Brasil, autoriza o usuário de suas redes, por exemplo, a associar a transexualidade e a homossexualidade a doenças mentais no contexto de debates religiosos ou políticos. Na resposta ao governo, a Meta sustenta que, a despeito disso, continua "comprometida em respeitar os direitos humanos."
No vídeo, Zuckerberg declarou que trabalhará com Donald Trump para enfrentar governos que, na sua visão, perseguem empresas americanas e pressionam por censura. Mencionou a Europa. Numa alusão ao Brasil e ao Supremo Tribunal Federal, afirmou que "países latino-americanos têm tribunais secretos". Na resposta ao Planalto, a Meta alegou que sua nova política visa estimular a liberdade de expressão sem descuidar da proteção à "raça, etnia, nacionalidade, deficiência, religião, casta, orientação sexual, sexo, identidade de gênero e doença grave."
Na prática, a nota da Meta reafirma em timbre mais polido tudo o que Zuckerberg declarou em linguajar escrachado e pouco judicioso. Sem especificar datas, a empresa acenou com a hipótese de informar oportunamente seus planos para divulgar no Brasil "quaisquer relatórios de transparência" sobre sua nova linha de conduta.
Ficou entendido que o centauro, agora rendido ao obscurantismo de Donald Trump, vive uma festa digital para a qual a periferia do mundo não se credenciou adequadamente. O corpo, operando nos baixios lamacentos da desinformação, turbina o engajamento. A cabeça, inspirada pelas mais altas justificativas do mercado, recolhe os lucros.
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