Nikolas conduz bolsosfera numa excursão pelo mundo da ilógica
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No vídeo em que comparou a cabeleireira branca do "perdeu, mané" com a costureira negra que se tornou mártir da luta antirracista nos Estados Unidos, o deputado Nikolas Ferreira viajou na maionese. Durante sete minutos, conduziu a bolsosfera numa excursão pelo universo da falta de lógica. Cometeu uma heresia histórica, uma comparação desrespeitosa e uma desinformação deslavada.
O menino prodígio do bolsonarismo soou herético porque Débora Rodrigues dos Santos e Rosa Parks não cabem numa mesma frase. Uma foi presa em 2023 no meio de uma turba que pedia intervenção militar em Brasília. Outra foi detida em 1955 porque se recusou a sair de um assento de ônibus destinado aos brancos no Alabama.
A cabeleireira brasileira pichou a estátua da Justiça na Praça dos Três Poderes. A costureira americana virou estátua na Rotunda do Capitólio, a casa legislativa invadida por trumpistas na tentativa de virada de mesa em Washington que inspirou o quebra-quebra de Brasília.
Débora Santos é martirizada por oportunistas que tramam uma anistia que inclua Bolsonaro. Rosa Parks deu origem a um boicote ao sistema de transportes no qual emergiu o pastor Martin Luther King.
A analogia de Nikolas é desrespeitosa porque encostar o golpismo de Bolsonaro na luta pelos direitos civis encabeçada por Luther King é como confundir imbecilidade com densidade.
Nikolas pergunta a certa altura: E se Débora tivesse escrito 'Fora Bolsonaro' em vez de 'perdeu, mané'?". Nessa hipótese, a cabeleireira teria sido linchada, pois a turba que desceu do QG do Exército pleiteava a derrubada de Lula.
Anistia - o que não te contaram. pic.twitter.com/7i7j5D3CcD
-- Nikolas Ferreira (@nikolas_dm) April 3, 2025
Num dos trechos em que desinforma deslavadamente, Nikolas propaga uma meia-verdade que já perambulava pelas redes como mentira inteira. Apresentou o título de uma reportagem —Supremo solta 15 integrantes de uma quadrilha de traficantes— e escondeu o miolo da notícia. O texto tratava de uma tranca em regime fechado de condenados a penas que deveriam ser cumpridas no regime semiaberto. O Supremo apenas mandou cumprir a decisão judicial.
Se estivesse realmente interessado em questionar legitimamente a pena draconiana de 14 anos que Alexandre de Moraes propõe para a cabeleireira Débora, Nikolas teria realçado que dois bolsonaristas que tentaram explodir um caminhão-tanque perto do aeroporto de Brasília receberam da Justiça Federal penas mais brandas. O deputado fugiu da analogia lógica porque sua missão é produzir uma confusão qualquer capaz de anistiar o mito antes de sua chegada à cadeia.
Se o vídeo de Nikolas serve para alguma coisa é para mostrar que o Supremo Tribunal Federal, ao individualizar e calibrar as penas dos golpistas, precisa garantir a punição sem fornecer material para oportunistas que dispõem de uma audiência vigorosa e crédula nas redes sociais.
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