Josias de Souza

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Opinião

Bolsonaro tenta retardar ação, e Moraes mantém pé no acelerador

Bolsonaro e seus defensores adotaram um velho brocardo, só que com o sinal trocado. Frequentam a ação penal da trama golpista agarrados ao lema segundo o qual nunca se deve deixar para amanhã o que pode ser deixado hoje. Tentaram adiar o início dos depoimentos das testemunhas, marcado para esta segunda-feira. O general Augusto Heleno e seus advogados aderiram à coreografia da protelação.

Alexandre de Moraes, o relator da encrenca no Supremo, deu de ombros para a manobra. Em despacho divulgado neste sábado, ele manteve o início das oitivas. Refutou a alegação dos advogados de Bolsonaro e Heleno de que não haveria tempo para analisar material liberado pela Polícia Federal na última quarta-feira. Os dados foram armazenados eletronicamente. São três links, com 40 terabytes.

Em petição protocolada na sexta-feira, a defesa de Bolsonaro anotou: "Em uma conta simples, considerando uma velocidade de internet de 500 megabytes, só o download dos arquivos compactados demoraria quase 178 horas de trabalho ininterrupto. Mais de uma semana. Portanto, o efetivo acesso ao material probatório inserido nos links só será possível depois de iniciada as audiências". Os defensores de Heleno esgrimiram a mesma cantilena da falta de tempo.

Servindo-se do óbvio, Moraes contrapôs à tese dos advogados o argumento segundo o qual os dados adicionais fornecidos pela PF não foram usados pela Procuradoria-Geral da República na denúncia da trama golpista. Coisa já destrinchada na sessão da Primeira Turma do Supremo em que a denúncia foi convertida em ação penal.

O ministro trocou seu raciocínio em miúdos: "A disponibilização desse material em nada alterou os fatos imputados na acusação, consubstanciada na denúncia oferecida pelo Ministério Público e o conjunto probatório em que foi baseada e que, em um primeiro momento foram analisados pelo Poder Judiciário em sessão de recebimento da denúncia e cuja instrução probatória terá início com a audiência para oitiva das testemunhas indicadas".

No português das ruas, Moraes disse aos defensores de Bolsonaro e Heleno, com outras palavras, mais ou menos o seguinte: "Segue o jogo, ajustem suas estratégias à realidade. No total, serão ouvidas 82 testemunhas até o dia 2 de junho. Primeiro, as de acusação, relacionadas pela Procuradoria. Depois, as do delator Mauro Cid. Por último, as escolhidas pelas defesas dos réus do chamado "núcleo crucial" da trama golpista.

Entre as testemunhas indicadas pela Procuradoria, que começam a ser ouvidas nesta segunda, há dois nomes que os réus consideram duros de roer: o ex-comandante do Exército Freire Gomes e o ex-chefe da Aeronáutica Baptista Júnior. Ambos contaram em depoimentos à PF que participaram da reunião em que Bolsonaro expôs os termos da minuta que previa a anulação da vitória de Lula.

Sobre esse encontro, o procurador-geral Paulo Gonet anotou em sua denúncia: "Quando um Presidente da República, que é a autoridade suprema das Forças Armadas, reúne a cúpula dessas Forças para expor planejamento minuciosamente concebido para romper com a ordem constitucional, tem-se ato de insurreição em curso..."

Na sessão em que os denunciados foram convertidos em réus, Moraes ecoou Gonet: "Não é normal que o presidente que acabou de perder uma eleição se reúna com o comandante do Exército, o comandante da Marinha e ministro da Defesa para tratar de uma minuta de golpe".

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Por enquanto, não surgiu nas defesas orais e escritas dos encrencados um mísero argumento capaz de rebater as evidências colecionadas pela Polícia Federal. Com os pés encravados num universo ficcional, Bolsonaro, apontado como chefe da "organização criminosa", se diz vítima de "perseguição política".

No mundo real, o capitão é perseguido pelas provas reunidas a partir da delação do seu ex-ajudante de ordens, o tenente-coronel Mauro Cid. Provas que foram corroboradas por um general e um brigadeiro que comandavam o Exército e a Aeronáutica. Quer dizer: o aglomerado que Bolsonaro chamava de "Minhas Forças Armadas" tornou-se fornecedor de chaves de cadeias.

Contra esse pano de fundo, a menos que Bolsonaro e seus cúmplices do alto-comando golpista arrumem defesas críveis, Moraes manterá o pé no acelerador. O Supremo trabalha com um cronograma não declarado que prevê a prolação das sentenças entre os meses de setembro e outubro. Até aqui, para desassossego dos réus, o relator é acompanhado em suas decisões pela unanimidade da Primeira Turma.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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