Pintor faz confusão entre "fumus boni", termo jurídico, e "fumo do bom"
Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail
O pintor de paredes José Carlos (nome fictício), 24, estudou até o 1º ano do Ensino Fundamental. No último trimestre de 2020, ao olhar a sentença judicial sobre a condenação de um amigo de infância por tráfico de drogas, o rapaz leu o termo jurídico "fumus boni" — no trecho sobre requisitos da prisão preventiva —, e sussurrou: "Caramba, deve ter sido por causa da venda dessa erva, fumo do bom, que ele pegou uma pena alta".
Alguns dias depois, José Carlos foi à biqueira que era do amigo de infância condenado, assumida por outro integrante do PCC (Primeiro Comando da Capital), em um bairro da periferia da zona leste de São Paulo, e comprou uma trouxinha de maconha.
Ele pagou R$ 10, pôs o papelote no bolso direito da calça e voltou para casa. No caminho surgiu uma viatura da Polícia Militar. José Carlos foi abordado e revistado. O soldado encontrou a droga e perguntou para o pintor: "O que é isso?" O rapaz respondeu: "Eu não vou mentir pro senhor não. Isso aí é fumus boni".
O soldado ficou irado e deu um tapa com toda a força no ouvido esquerdo de José Carlos. Depois ainda o obrigou a engolir a maconha. E ameaçou: "Está me tirando, achando que eu sou trouxa. Dá próxima vez vou levar você para a delegacia, seu comédia do caralho".
José Carlos chegou em casa assustado e bastante revoltado com o policial militar agressor. O pintor sentiu-se constrangido, pois moradores do bairro presenciaram a abordagem e o tapa na orelha. Porém, ele não contou nada para os pais.
O rapaz, ao ler a sentença de condenação, pensou que "fumus boni" era o mesmo que fumo do bom. E também entendeu que o amigo fora condenado justamente por esse motivo: comercializar na biqueira (ponto de venda de drogas), maconha de boa qualidade.
Expressão tem origem no latim jurídico
A cópia da sentença do amigo de infância a qual José Carlos teve acesso foi dada por um advogado, primo dele, que atuou no processo. O pintor procurou o defensor para sanar de vez a dúvida. E perguntou o que significa "fumus boni". Mas até hoje não contou para o primo que havia confundido o termo com fumo do bom.
O advogado explicou ao primo que a frase correta é fumus boni iuris, um termo jurídico muito usado em processos judiciais. Acrescentou que trata-se de uma expressão em latim que significa "fumaça do bom direito" ou "onde há fumaça há fogo", significando assim que "onde há indícios pode haver crimes".
José Carlos ficou satisfeito com a explicação. Ele ainda não tinha esquecido a agressão sofrida. Pensou até em procurar a Corregedoria da Polícia Militar para registrar uma queixa contra o soldado violento. Mas mudou de ideia por entender que estava errado por ser usuário de droga.
De volta à biqueira
Uma semana depois de ter sido abordado pelos militares, o pintor voltou à mesma biqueira do bairro. O responsável pela venda de drogas no local não era o dono da boca de fumo, mas um funcionário, um jovem do Maranhão. José Carlos se aproximou dele e olhou para todos os lados. Fez isso para ter certeza de que não havia policiais nas redondezas.
Em seguida, o pintor disse: "E aí, firmeza moleque. Eu quero um papel daquele, "fumus boni". O vendedor da droga respondeu: "Não entendeu" (sic). José Carlos retrucou: "Deixa para lá, irmão. Me dá o de sempre aí, uma erva da boa".
A biqueira frequentada por José Carlos é uma das milhares existentes em São Paulo e funciona dia e noite. A maioria delas está nas mãos de traficantes ligados ao PCC, facção responsável pelo monopólio das drogas em todo o território paulista.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.