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Josmar Jozino

REPORTAGEM

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Depois de 35 anos, dona de Escort conta como Marcola roubou o carro dela

Colunista do UOL

09/10/2021 16h06

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A dona de casa Sheila Alves de Moura ouvia uma música no seu Ford Escort, preto, modelo 1986, estacionado na avenida Dom Pedro I, no bairro do Ipiranga, zona sul de São Paulo, quando um ladrão solitário se aproximou da janela do lado do motorista, apontou um revólver calibre 38 em direção a ela e anunciou o assalto.

Era uma tarde de 4 de outubro de 1986, um sábado ensolarado com céu azul de brigadeiro. Sheila tinha 22 anos. Ela estava alegre e descontraída no carro recém-comprado, parado em frente à casa da irmã dela. Ambas iriam no cabeleireiro no boêmio bairro da Bela Vista.

O assaltante agiu rápido. A ação durou menos de dois minutos. Ele mandou a motorista descer, colocou o revólver na cintura, assumiu o volante do veículo e seguiu rumo ao centro da cidade. No Largo do Paissandú, uma viatura da Polícia Militar avistou o Escort na contramão.

Os policiais deram ordem de parada. O motorista não obedeceu. Um soldado atirou no carro. A bala estourou o vidro traseiro e danificou o banco de trás do automóvel. O condutor do Escort não se feriu, mas acabou dominado pelos militares.

Marcola, o ladrão, tinha 18 anos

No 1º Distrito Policial (Sé), investigadores identificaram o ladrão: Marco Willians Herbas Camacho. Foi a primeira vez que ele acabou preso em flagrante. O assaltante na época tinha 18 anos. O apelido dele não era Marcola, mas Marcão. O PCC (Primeiro Comando da Capital) não existia.

Passados exatos 35 anos do roubo, a coluna localizou uma das primeiras vítimas de Marcola. Sheila está com 57 anos. Ela ficou surpresa ao saber que o ladrão que a assaltara hoje é apontado pelas autoridades como o líder máximo do PCC, a maior facção criminosa do Brasil.

Ficha de Marcola - Reprodução - Reprodução
Ficha de Marcola na Penitência de Araquara, no interior de São Paulo
Imagem: Reprodução

Ela só associou Marcola ao assaltante que levou seu Escort preto depois de falar com a reportagem e consultar a foto dele no Google. Segundo Sheila, o ladrão estava calmo no dia do roubo e em nenhum momento a ameaçou de morte.

Sheila, no entanto, sentiu muito medo quando ficou duas vezes frente a frente com Marcola. A primeira vez foi no 1º DP, para fazer o reconhecimento do acusado. A segunda foi no antigo Fórum Criminal, no viaduto Dona Paulina, a poucos metros da Praça da Sé, durante audiência judicial.

Ela contou à coluna que, apesar de não ter sofrido ameaça, ficou traumatizada ao ter pela primeira vez um revólver apontado em sua direção e até decidiu mudar de bairro. Morava no Ipiranga e depois foi para a Aclimação. No ano seguinte, em 1987, ela se casou.

O Escort de Sheila era o carro da moda na época. Ela lembra que tinha acabado de adquirir o veículo e deu dois cheques para o antigo dono. No início da madrugada de 5 de outubro de 1986, a proprietária recebeu um telefonema da polícia, comunicando o encontro do automóvel.

"Ladrões não eram tão violentos"

Na opinião de Sheila, nos anos 1980, os ladrões não eram tão violentos como hoje. A dona de casa afirmou que a situação piorou muito e que tem medo até de sair com telefone celular na rua porque os assaltantes estão matando as vítimas só para roubar o aparelho móvel.

Marcola foi condenado a cinco anos e quatro meses pelo roubo do Escort de Sheila. A pena foi aplicada pelo juiz Mário Silveira Lima, da 3ª Vara Criminal Central. O magistrado observou na sentença que o réu tinha péssimos antecedentes.

Antes de roubar o carro de Sheila e de ser preso em flagrante pela primeira vez, Marcola, nascido em 25 de janeiro de 1968, foi acusado de ter cometido outros seis assaltos logo após completar a maioridade penal:

Marcola foi levado para o antigo Presídio do Hipódromo, no Brás, conhecido como "depósito de presos". No dia 9 de outubro de 1986, ele foi transferido para a Casa de Detenção, no Carandiru, zona norte de São Paulo, palco do massacre de 111 prisioneiros mortos pela PM em 2 de outubro de 1992.

Da Casa de Detenção, Marcola foi removido em 20 de outubro de 1988 para a Penitenciária do Estado (SP); em 8 de abril de 1989 para a Penitenciária de Itirapina (SP) e em 23 agosto de 1989 para Penitenciária de Araraquara (SP). Em 3 de setembro de 1990 fugiu do semiaberto em Franco da Rocha (SP).

Por conta de outras fugas, no dia 13 de novembro de 1992 o preso foi mandado para o castigo no CRP (Centro de Reabilitação Penitenciária) de Taubaté, no Vale do Paraíba (SP). Lá foi um dos idealizadores da criação do PCC, fundado naquela unidade em 31 de agosto de 1993, mas não participou da fundação da facção.

Após roubar carros, Marcola se especializou em assaltar empresas de valores. Condenado a 330 anos por roubos, homicídios, associação criminosa e associação ao tráfico, o homem de 53 anos tido como o número 1 do PCC está desde março de 2019 na Penitenciária Federal de Brasília.

A reportagem não conseguiu contato com a advogada dele.

As disputas por poder e dinheiro dentro da principal organização criminosa do Brasil são narradas na segunda temporada do documentário do "PCC - Primeiro Cartel da Capital", produzido por MOV, a produtora de documentários do UOL, e o núcleo investigativo do UOL.