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Juliana Dal Piva

REPORTAGEM

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O dia em que Queiroz usou o nome de Freixo para sobreviver a um sequestro

Fabrício Queiroz em entrevista ao SBT em dezembro de 2018 - Reprodução/Youtube/SBT
Fabrício Queiroz em entrevista ao SBT em dezembro de 2018 Imagem: Reprodução/Youtube/SBT

Colunista do UOL

12/03/2021 04h00

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Desde que estão na vida pública, os integrantes da família Bolsonaro falam abertamente como adversários políticos do deputado federal Marcelo Freixo (PSOL). Mas um dia Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio Bolsonaro, disse ter usado o nome de Freixo para escapar de um sequestro.

O primeiro boletim de ocorrência, a que a coluna teve acesso exclusivo, mostra que na manhã de uma quarta-feira, 28 de outubro de 2015, Queiroz dirigia um Sentra preto, cedido pela Alerj (Assembleia Legislativa do Rio) para os parlamentares. Ele estava na Taquara, bairro da zona oeste, indo em direção à Barra da Tijuca para buscar o chefe, o então deputado estadual Flávio Bolsonaro. Como havia congestionamento, Queiroz resolveu "pegar um atalho" por dentro da comunidade Cidade de Deus.

Não passava das 9h30 quando tudo aconteceu. Pouco depois, ele disse que deparou-se com cerca de três homens, todos portando pistola e foi obrigado a parar. Quando saiu do carro, os criminosos verificaram que ele estava armado com uma pistola Taurus .40 e dois carregadores. A arma era da Polícia Civil do Rio, informa o boletim.

Segundo Queiroz, quando viram que ele estava armado, um dos três homens deu uma coronhada em sua cabeça, o que resultou até em um corte. Em seguida, os três homens começaram a carregá-lo para dentro da comunidade e outros dois homens entraram no carro e pegaram seus celulares e demais pertences.

Horas mais tarde, já na 32ª Delegacia de Polícia, Queiroz depôs aos policiais que "somente conseguiu convencer os três nacionais a liberá-lo, depois de se identificar como funcionário do deputado Marcelo Freixo. Em razão do argumento utilizado, logrou êxito em ser liberado".

Quando foi libertado, ele disse que se dirigiu à UPP da Cidade de Deus para notificar sobre o crime e, depois, foi à 32 DP. Sem detalhar como, o boletim de ocorrência deixou registrado que, ainda naquele dia, policiais militares conseguiram apreender a arma e os dois carregadores com a munição intacta.

Pertences devolvidos num saco com drogas

Um segundo boletim de ocorrência, registrado no dia seguinte ao crime, revela os detalhes de como Queiroz obteve de volta, além da arma, os celulares e cartões de crédito.

No fim da tarde de quinta-feira, 29 de outubro de 2015, dois policiais militares disseram que estavam fazendo um patrulhamento na rua Josafá, a mesma em que Queiroz relatou ter sido abordado e, em um determinado momento, viram um homem branco "em atitude suspeita" com um saco em mãos. Não explicaram o motivo da suspeita.

No boletim de ocorrência, os policiais narram, em seguida, que o homem atirou o saco e fugiu sem que eles pudessem prendê-lo. "Tal nacional, ao avistar a guarnição, arremessou ao chão o saco que tinha em sua posse e empreendeu fuga para o interior da favela, porém, após breve perseguição, tal nacional conseguiu se evadir do local", conta o cabo Alex Sandro Lima.

Quando os policiais abriram o saco, eles viram três celulares, um cartão de crédito de Queiroz e outros três cartões de Márcia Aguiar, mulher dele. Junto aos cartões, os policiais relataram ainda ter encontrado 242 "sacolés" com pedras que se assemelham a crack, 42 "sacolés" de "erva seca" e 27 comprimidos que aparentaram ser de ecstasy.

No registro da delegacia, Queiroz e a mulher foram apresentados como testemunhas e as drogas foram apresentadas pelos policiais sem identificação dos "proprietários". Todo o material foi encaminhado para a perícia.

A coluna apurou ainda que um jovem, menor de 18 anos na época, foi identificado por Queiroz como um dos criminosos que o rendeu. A investigação do caso, porém, continua em aberto no MP-RJ (Ministério Público do Rio).

Marcelo Freixo - Ricardo Borges/UOL - Ricardo Borges/UOL
O deputado federal Marcelo Freixo (PSOL-RJ)
Imagem: Ricardo Borges/UOL

Piada na Alerj

A coluna procurou o deputado federal Marcelo Freixo para falar do episódio e ele contou que conhecia Queiroz dos corredores da Alerj. Freixo disse ainda que, na época do sequestro, o então assessor de Flávio Bolsonaro costumava contar a história como uma piada para seus seguranças.

"Que bom que ele sobreviveu, que saiu com vida. Em circunstâncias normais, um policial não sairia vivo. A gente quer isso para todo mundo. Mas essa história ele contou brincando para os meus seguranças. Nunca soube que ele falou isso na delegacia. Ele foi assaltado esse dia e falou, rindo, para a minha equipe: 'só fui libertado por causa do Freixo'. Ele contou como uma brincadeira e ele, provavelmente, botou para depois vazar e construir a ideia de que eu sou amigo de traficante."

Ao ser informado sobre a devolução dos pertences, Freixo disse que achou curioso que a PM tenha conseguido recuperar os pertences tão rápido. "Não é comum, a não ser que tenham coisas que não podem ser explicadas por ele [Queiroz] no batalhão. Como se recupera uma carteira cheia de drogas sem que seja numa operação ou com alguém fazendo acordo? Tem muita coisa nebulosa na vida do Queiroz", observou.

Procurada, a defesa de Queiroz não retornou.

Cidade de Deus - Folha Imagem - Folha Imagem
Comunidade de Cidade de Deus, na zona oeste do Rio, onde Queiroz diz ter sido sequestrado em 2015
Imagem: Folha Imagem

Investigações do tempo de PM

Em fevereiro, a coluna mostrou que Fabrício Queiroz enfrentará ao longo de 2021 outras investigações criminais além do caso da "rachadinha", a devolução ilegal de salários na Alerj. Em outubro do ano passado, ele foi denunciado ao Tribunal de Justiça fluminense junto com o filho mais velho do presidente Jair Bolsonaro por organização criminosa, peculato e lavagem de dinheiro.

Queiroz é investigado por duas mortes e uma tentativa de homicídio no período em que atuava justamente patrulhando a região da Cidade de Deus. Desde o ano passado, o MP retomou as investigações que ficaram paradas por quase duas décadas.

Um dos casos ocorreu em novembro de 2002 e é investigado pela 32ª Delegacia de Polícia. Desde então, diferentes delegados pediram três vezes o arquivamento do inquérito sem sequer tomar o depoimento do sobrevivente ao tiroteio.

No fim do ano passado, a promotora Denise Pieri Pitta, da 1ª Promotoria de Justiça de Investigação Penal-Núcleo Jacarepaguá e Madureira, exigiu o depoimento e outras providências. Para ela, há "circunstâncias anômalas" no procedimento.

O sobrevivente contou, em entrevista exclusiva ao UOL, que após o crime recebeu a visita de um policial que tentou convencê-lo de que não tinha sido ferido pelos PMs.

Essa não é a única investigação de homicídio que envolve Fabrício Queiroz. No ano passado, o promotor Cláudio Calo apontou uma série de falhas em um outro inquérito que apura a morte do estudante Anderson Rosa de Souza, de 29 anos. Em 2003, o então tenente Adriano Magalhães da Nóbrega e Queiroz afirmaram que o caso foi um "homicídio proveniente de auto de resistência".

O caso agora está na Delegacia de Acervo Cartorário aguardando o cumprimento de ações.