Não vale tudo para derrotar Bolsonaro, mas STF contraria o próprio ativismo
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Nos últimos anos, o STF (Supremo Tribunal Federal) se dedicou a uma obra de destruição constitucional com casuísmos que modificaram a jurisprudência, decisões monocráticas que obedeceram a cálculos políticos e manipulações da pauta que agradaram à chamada opinião pública.
O casuísmo de permitir a reeleição dos presidentes da Câmara e do Senado na mesma legislatura seria coerente com o ativismo judicial que é a marca da atual composição do Supremo. Mas, neste domingo, por maioria apertada de 6 a 5, o STF barrou a possibilidade de reeleição para os atuais comandantes da Câmara e do Senado, respectivamente os democratas Rodrigo Maia (RJ) e Davi Alcolumbre (AP).
A decisão é acertada, porque respeita o texto literal da Constituição. Diz o parágrafo 4º do artigo 57 da Carta Magna brasileira: "Cada uma das Casas reunir-se-á em sessões preparatórias, a partir de 1º de fevereiro, no primeiro ano da legislatura, para a posse de seus membros e eleição das respectivas Mesas, para mandato de 2 (dois) anos, vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente".
Mais cristalino impossível.
No entanto, esse Supremo apegado à letra da Constituição foi o mesmo que jogou o texto na lata do lixo quando, em fevereiro de 2016, mudou a jurisprudência para permitir a pena de prisão após condenação em segunda instância. Naquele momento, no auge da Lava Jato, valia tudo. O objetivo principal era mandar o ex-presidente Lula para a cadeia e tirá-lo da eleição presidencial de 2018.
Em 2016, o Supremo ignorou o que diz o incisivo 57 do artigo 5º: "Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória".
O texto literal é claríssimo. Mas segmentos do jornalismo e da política que defenderam o respeito à letra da Constituição em relação às eleições para presidir a Câmara e o Senado são os mesmos que aplaudiram a avacalhação lavajatista daquela época.
Em novembro de 2019, o Supremo alterou o entendimento de 2016 e voltou à interpretação literal do texto constitucional no que se refere à possibilidade de prisão. Dessa vez, o mundo quase veio abaixo. O Supremo foi acusado de conivência com a impunidade, para dizer o mínimo.
A eventual permissão para a recondução de Maia e Alcolumbre seria, sim, um casuísmo. Com o objetivo puramente político de evitar que os comandos da Câmara e o Senado caíssem em mãos favoráveis ao presidente Jair Bolsonaro, o ministro Gilmar Mendes liderou o grupo que daria guarida à manobra.
Mas não vale tudo para derrotar Bolsonaro. Foi justamente essa estratégia de vale-tudo que jogou o país no abismo ao permitir a ascensão da extrema-direita ao poder.
Feita a ressalva, é preciso registrar a hipocrisia dos garantistas de ocasião, a mesma turma dos democratas de pandemia.
O Supremo é o principal responsável pelo desarranjo institucional que assola o Brasil. Sem autocontenção, o tribunal invade atribuições do Legislativo e do Executivo quando lhe interessa politicamente. Foge de suas responsabilidades como guardião da Constituição com frequência. Acovardou-se diante dos abusos da Lava Jato, como mostrou a Vaza Jato. Permitiu um golpe institucional em 2016 com um impeachment sem provas. Seus últimos presidentes manipularam a pauta do tribunal de forma escandalosa, sempre de olho no aplauso de uma opinião pública enganada por heróis com pés de barro. A lista de desserviços do Supremo à democracia é extensa.
Setores da imprensa que adoram uma falsa equivalência têm grande parcela de responsabilidade pelo conjunto da obra que jogou o Brasil nesse mato sem cachorro. Mas puderam dormir na última noite com a consciência tranquila de que o texto da Constituição, rasgado tantas vezes com a sua concordância, foi preservado. Afinal, interpretar a Constituição contra o que está escrito nela é coisa que não pode acontecer numa democracia, não é mesmo?
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