Topo

Kennedy Alencar

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Fiscal do contrato da Covaxin não fiscalizou e pareceu proteger superiores

06.jul.21 - Servidora Regina Célia em audiência na CPI da Covid - Marcos Oliveira/Agência Senado
06.jul.21 - Servidora Regina Célia em audiência na CPI da Covid Imagem: Marcos Oliveira/Agência Senado

Colunista do UOL

06/07/2021 14h24

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Fiscal do contrato firmado entre o Ministério da Saúde para importar a vacina indiana Covaxin, a servidora Regina Célia Silva Oliveira deu um depoimento à CPI da Pandemia no qual jogou com a zona cinzenta da burocracia para fugir das suas responsabilidades, evitar comprometer superiores e enrolar os senadores.

Logo no começo, Regina Célia fez um jogo de empurra sobre a obrigação de fiscalizar o contrato no caso Covaxin. Segundo a versão dela, uma parte do contrato não estaria sob a sua supervisão. O negócio previa compra de 20 milhões de imunizantes por US$ 15 a dose.

A servidora disse que determinadas questões deveriam ser tratadas pela "divisão de importações". Fugiu da responsabilidade de apontar uma eventual falha, lavando as mãos, apesar de ser, por determinação legal, a fiscal do contrato.

Regina Célia declarou não ter "conhecimento" de que a empresa Global, que já dera calote no Ministério da Saúde, tinha ligação com a Precisa, empresa atravessadora da venda da Covaxin. "Não associei que a Global e a Precisa eram a mesma empresa", afirmou uma servidora que atua como fiscal de contrato desde 2016 e que entrou no Ministério da Saúde por concurso feito em 1995.

É inverossímil que um fiscal de contrato não tivesse conhecimento de empresas que passaram a perna no ministério.

A servidora deu a entender que deveria se ater a aspectos formais, aceitando, por exemplo, uma declaração na qual o laboratório indiano Bharat Biotech sustentava que a Madison Biotech, que não constava do contrato original, seria a empresa encarregada por ela de receber o pagamento da exportação de vacinas. Ela repetiria que seriam "a mesma companhia".

Senadores apontaram que eventuais modificações contratuais requereriam aditivos que não foram feitos. Ela, por exemplo, insistiu muito no ponto de que autorizou redução de entrega de doses, de 4 milhões para 3 milhões, sem que isso significasse alteração do contrato.

Uma suspeita da CPI é que a Precisa queria dar um golpe, o que teria sido tentado na emissão seguida de invoices (nota fiscal internacional) que tiveram de ser alterados.

Tudo soou esquisito. Mas os senadores não ajudaram. Houve diversas interrupções de senadores fora lista de inscrição para falar, contribuindo para o depoimento ficar truncado. Muitos parlamentares atropelaram o relator Renan Calheiros (MDB-AL), gerando debates laterais. Num momento, cinco deles falavam ao mesmo tempo

Também ficou evidente o comportamento da depoente de recorrer ao labirinto burocrático para dizer que não poderia ter tomado providências para barrar o processo de compra da Covaxin. Essa estratégia tem propósito jurídico claro: evitar ser responsabilizada e proteger autoridade superior eventualmente interessada no negócio suspeito.

Ao alegar que não autorizou a continuidade do contrato, mas a alteração de redução de um número de entregas de doses numa determinada fase, ela, na prática, validou uma continuidade irregular do negócio.

"Não tenho competência para parar um processo de importação", disse a fiscal do contrato, recorrendo a um jogo de atribuições internas burocráticas. Claro que, como fiscal, ela poderia sustar a execução do contrato ou recomendar sua interrupção. Suas observações negativas a respeito do negócio só viriam a acontecer depois da repercussão pública da tentativa de comprar a vacina indiana com o preço mais alto entre os imunizantes adquiridos até agora pelo Ministério da Saúde.

Mas, por volta das 15h, o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) conseguiu fazer uma intervenção mais clara e objetiva. Leu e-mail de Regina Célia no qual ela autorizava claramente o seguimento do processo de importação, apesar de a depoente negar que o tivesse feito. Foi constrangedor.

A senadora Simone Tebet (MDB-MS) mostrou versões da nota fiscal internacional atribuída à Madison com diferenças textuais que apontam suspeitas de fraude. Tebet tornou ainda mais frágil a versão inicial do Palácio do Planalto para refutar eventual corrupção.

Noutro ponto importante, a servidora demorou a admitir um laço com o então ministro Ricardo Barros para mudar de função de confiança em dezembro de 2016. "Quem era o ministro [na época]?", perguntavam diversas vezes Renan e Randolfe Rodrigues (Rede-AP). "Certamente deve ter sido a (nomeação) do Ricardo Barros", ela respondeu, depois de ter sido muito pressionada.

"Nunca recebi nenhuma pressão sobre esse contrato", negando que falou com autoridade superior sobre os problemas do contrato. Renan fez uma lista de superiores que poderiam ter interferido no contrato, mas ela refutou qualquer tipo de ingerência direta sobre ela.

Em resumo, a servidora deixou claro que é uma fiscal de contrato que não fiscaliza todo o contrato. Deu um depoimento no qual matou no peito as decisões que tomou sem apontar pressões superiores. Seus chefes antigos e atuais têm motivos para apreciar tal demonstração de fidelidade.