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Leonardo Sakamoto

Bolsonaro, inseguro, vê corrupção e sexualidade juntas, avalia psicanalista

Flávio Bolsonaro (à esquerda) e seu ex-assessor Fabrício Queiroz - Reprodução/Instagram
Flávio Bolsonaro (à esquerda) e seu ex-assessor Fabrício Queiroz Imagem: Reprodução/Instagram

Colunista do UOL

20/12/2019 14h24

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"Quando um repórter faz uma pergunta sobre o caso Flávio, o presidente responde sobre homossexualidade. Na cabeça dele, corrupção e sexualidade andam juntas. Um filho visto como corrupto e fraco pode levá-lo a temer que pessoas o vejam como um pai que não foi macho e viril o bastante. Ao ser questionado sobre a corrupção do filho, acredita, portanto, que está sendo questionado por não ter sido suficientemente macho, por não ter poder suficiente."

A avaliação é de Christian Dunker, psicanalista e professor titular do Departamento de Psicologia Clínica do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. Ele é um dos coordenadores do Laboratório de Teoria Social, Filosofia e Psicanálise da USP.

Ao ser inquirido por jornalistas a respeito da investigação sobre peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa envolvendo seu filho Flávio e seu amigo de longa data Fabrício Queiroz, Bolsonaro resolveu tratar da sexualidade de jornalistas, na manhã desta sexta (20), na frente do Palácio da Alvorada.

"Você tem uma cara de homossexual terrível, nem por isso te acuso de ser homossexual, se bem que não é crime ser homossexual", afirmou para o delírio de uma claque de fãs.

O Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Distrito Federal divulgou nota de repúdio em relação às declarações. "Completamente descontrolado devido às denúncias que ligam sua família e amigos a atividades criminosas, Bolsonaro fez ataques com teor homofóbico e pessoal aos profissionais de imprensa para tentar desviar do assunto e ganhar aplausos dos apoiadores que dividem o mesmo espaço com jornalistas", afirma.

Dunker lembra que a sexualidade não era pauta da coletiva à imprensa. Ele que introduziu o tema na conversa.

"Pode ter algo da relação do pai com o macho. Para ele, o pai deve proteger os filhos, que são uma extensão do pai, portanto, uma comprovação pública de sua virilidade. À medida que um dos filhos começa a balançar eticamente, a questão da sexualidade ocupa a cabeça dele", analisa.

O processo que levou Bolsonaro a trazer a homossexualidade ao palco da conversa, segundo o professor, conteria semelhanças com a pessoa que tem dúvidas se é "suficientemente macho" e, por isso, tenta se cercar de elementos e discursos viris para reforçar publicamente que é exatamente aquilo que teme não ser. Ou seja, insegurança.

O tema da sexualidade esteve presente em outros pontos da coletiva. Bolsonaro reclamou da desconfiança sobre um empréstimo de R$ 40 mil que diz ter feito ao "faz-tudo" do clã - o que justificaria, parcialmente, o depósito que Queiroz realizou, no valor de R$ 24 mil, na conta da, hoje, primeira-dama Michelle Bolsonaro.

Após um jornalista perguntar sobre comprovantes dessas transações, que não foram trazidos por ele a público até agora, disse: "Ô rapaz, pergunta pra tua mãe o comprovante que ela deu pro teu pai, tá certo?"

E continuou: "Pelo amor de Deus! Você não presta. Você tem nota fiscal desse relógio que tá contigo no seu braço, você tem nota fiscal do seu sapato? Tudo pro outro lado tem que ter nota fiscal, comprovante? Conheço o Queiroz desde 1985, nunca tive problema com ele. Pescava comigo, andava comigo pelo Rio de Janeiro, tinha que ter um segurança comigo, andava com meu filho. Se ele fez besteira, ele que responda pelos atos dele".

Em outra pergunta, sobre a mudança da embaixada brasileira, em Israel, para Jerusalém, tema que envolve outro de seus filhos, o deputado federal Eduardo Bolsonaro, respondeu: "Você pretende se casar comigo um dia? Não seja preconceituoso. Você não gosta de loiro de olhos azuis? Isso é homofobia, vou te processar por homofobia. Homofóbico!"

Foi lembrado que Eduardo afirmou, em viagem àquele país, que a embaixada seria transferida em 2020, ele disse: "Eu falo por mim, meu filho fala por ele".

Esta foi a terceira vez, em dois dias, em que abandona filhos em seus discursos. Na mesma entrevista, evitou dizer que considerava Flávio inocente: "Eu não sou juiz, eu não sou juiz. Não tem problema comigo". E, nesta quinta (19), tratando do mesmo caso, disse: "Eu falo por mim. Problemas meus podem perguntar que eu respondo. Dos outros, não tenho nada a ver com isso". Os "outros", no caso, é seu primogênito.

Christian Dunker avalia que Bolsonaro está se sentindo na berlinda. "A retórica dele depende da pureza, da moralidade, de estar acima de tudo. À medida que os escândalos vão chegando mais perto, ele aumenta a voltagem do discurso. O seu desejo de coerência vai levar a um colapso discursivo."