Cinco vezes em que o governo viu direitos trabalhistas como inimigos
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A população desocupada está caindo e chegou a 11,9 milhões de pessoas (11,2%) no trimestre encerrado em novembro, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua do IBGE, frente a 11,6% no mesmo período do ano passado. Contudo, a geração de empregos formais ainda está em um ritmo abaixo das necessidades dos trabalhadores empobrecidos pela crise econômica. Ao mesmo tempo, o ano foi marcado pelo crescimento de vagas sem carteira assinada (sem férias remuneradas, 13o salário, descanso semanal, licença maternidade, limite de jornada) e dos trabalhadores por conta própria (que incluem entregadores de comida, motoristas por aplicativos e vendedores ambulantes). Ambos bateram recordes na série histórica. Isso significa menos produtividade, menos crescimento econômico e menos qualidade de vida, em comparação com uma realidade com mais carteiras assinadas e empreendedorismo sustentável.
Nesse contexto, as regras e leis voltadas à proteção dos trabalhadores foram vistas pelo governo Bolsonaro, não raro, como inimigas a serem batidas em nome do desenvolvimento em 2019. Ou seja, a rede de segurança foi tratada como algo ruim. Reuni cinco declarações representativas disso:
1) "O trabalhador vai ter que decidir se quer menos direitos e emprego, ou todos os direitos e desemprego."
Durante a campanha eleitoral, Jair Bolsonaro criou aquele que viria a se tornar um dos mantras do seu governo, repetido à exaustão neste ano. A redução dos caminhos possíveis a dois indica que o governo não quer e/ou não sabe fazer de outra maneira.
Vale lembrar que, ainda candidato, Bolsonaro propôs a criação de "uma nova carteira de trabalho verde e amarela, voluntária, para novos trabalhadores". Um contrato que poderia ser fechado sem as proteções da CLT, em que cada um pouparia para a sua própria aposentadoria. O exemplo do empobrecimento em massa dos idosos no Chile levou os deputados federais a barrarem a mudança do atual regime de repartição (em que os da ativa contribuem para os aposentados) para o de capitalização - que nasceria de mãos dadas com essa carteira. O ministro da Economia, Paulo Guedes, não gostou. Mas as próximas gerações agradeceram.
2) "Esse é o compromisso do meu governo com a plena liberdade econômica, única maneira de proporcionar, por mérito próprio e sem interferência do Estado, o engrandecimento da população."
No Primeiro de Maio, Dia dos Trabalhadores, o presidente da República fez um pronunciamento em cadeia nacional de rádio e TV para falar aos empresários e não aos desempregados. Nenhuma palavra de consolo, nenhuma apresentação de um programa específico para gerar postos formais de trabalho. Para sobreviver à crise, trabalhadores expulsos do mercado formal tornaram-se vendedores de comida na rua e motoristas de aplicativos. Para Bolsonaro, são eles empreendedores. A maioria dessas pessoas, contudo, trocaria seus "empreendimentos" por uma carteira azul assinada.
A questão da interferência do governo não é um problema, contudo, quando ela atinge direitos sociais. "Não se assustem, então, se alguém pedir o AI-5", disse Paulo Guedes, em novembro. O ministro da Economia reclamava da convocação de protestos que podem atrasar o seu cronograma de reformas no Brasil. e tempos em tempos, ele nos lembra o quanto é fã do modelo chileno, com uma economia neoliberal erguida sobre as fundações da ditadura do general Augusto Pinochet.
3) "Tenho pena, tenho. Faço o que for possível, mas não posso fazer milagre, não posso obrigar ninguém a empregar ninguém".
Em maio, em declaração dada a repórteres durante viagem que faz a Dallas, nos Estados Unidos, ele afirmou que há milhões de trabalhadores desempregados "que não têm como ter emprego porque o mundo evoluiu" e eles "não estão habilitados a enfrentar um novo mercado de trabalho". Ele não precisa ter pena, muito menos obrigar alguém - até porque empregar não é um favor, mas um negócio de compra e venda de força de trabalho em nome de salário e lucro. Precisar criar condições para que o mercado crie postos de trabalho. Além disso, tanto o Ministério da Educação de Ricardo Vélez Rodríguez quanto o de Abraham Weintraub não apresentaram nenhum plano de qualificação de mão de obra que fizesse frente ao desafio colocado pelo próprio presidente sobre o futuro diante do avanço tecnológico. Mas teve até dancinha com guarda-chuva em vídeo para as redes sociais.
4) "Quem cria emprego é a iniciativa privada, não sou eu. Nosso trabalho é não atrapalhar quem quer produzir."
Durante uma live, em junho, reafirmou que o governo não faria investimento público para aquecer determinados setores. Mas, ao menos, reconheceu publicamente que a geração de empregos não andava bem - quase sete meses após assumir: "Reconheço que temos problema". E bote problema nisso. O aumento na quantidade de pessoas sem carteira e trabalhando por conta própria é uma bomba-relógio para a Previdência Social. Com contribuições menores de empregadores e trabalhadores ao INSS, temos um rombo nas contas e um consequente aumento nas demandas pela assistência aos idosos em situação de miséria via Benefício de Prestação Continuada (BPC).
O governo quer que os brasileiros empreendam. Para alguns, quanto mais liberdade se dê ao empreendedor mais nos aproximamos do fim de uma suposta tutela do Estado sobre os trabalhadores. Para outros, contudo, o atual ambiente não é de estímulo ao empreendedorismo, mas de cristalização da precarização do trabalho. No meio, um problema: nem todos desejam ou podem empreender, preferindo ser assalariados. Neste caso, o que fazer? Esperar um próximo governo com um plano eficaz de geração de emprego e renda?
5) "Taxar seguro-desemprego é palatável."
A avaliação foi do secretário especial de Trabalho e Previdência Social, Rogério Marinho, ao defender uma polêmica medida do programa "Emprego Verde e Amarelo", apresentado em novembro e que vem sendo visto como uma nova etapa da Reforma Trabalhista. A ideia é reduzir os custos de contratação de jovens entre 18 e 29 anos para vagas que paguem até 1,5 salário mínimo durante dois anos. Essa desoneração da folha de pagamento, com a retirada da contribuição patronal de 20% ao INSS, seria bancada com uma taxa de 7,5% a ser cobrada das parcelas de quem recebe seguro-desemprego. A justificativa dada é de que esse tempo contaria para a aposentadoria do trabalhador.
O Congresso Nacional já indicou que não será fácil aprovar a medida, levando ao governo e aos aliados a buscarem outras fontes para financiar a desoneração. O ministro da Economia afirmou que é possível criar milhões de empregos se os "encargos trabalhistas" forem "zerados". A desoneração aqui foi compensada pelo lombo do trabalhador, em outras palavras: desempregados financiando o emprego de pobres para facilitar a vida de patrões.
Bolsonaro prepara outros pacotes de mudanças nas leis trabalhistas para serem apresentados em 2020. Se já não bastasse o desemprego, trabalhadores também terão que se preocupar com sua integridade física devido a declarações sobre AI-5 e projetos para acabar com a punição de policiais e militares que atuam em operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) contra manifestações populares. Ao que tudo indica, essas declarações foram apenas um aperitivo amargo do que vem pela frente.