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Leonardo Sakamoto

Regina Duarte fala em pacificação, promessa vazia de Weintraub e Bolsonaro

Jair Bolsonaro e Regina Duarte (Reprodução) - Jair Bolsonaro e Regina Duarte (Reprodução)
Jair Bolsonaro e Regina Duarte (Reprodução) Imagem: Jair Bolsonaro e Regina Duarte (Reprodução)

Colunista do UOL

01/02/2020 20h49

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"Meu desejo de pacificar, de unificar a classe artística já mostra que a resistência ideológica vai bater forte e tentar impedir que a polarização reinante possa ser vencida. Vou, no entanto, lutando para que a cultura do nosso país possa estar acima de ideologias e partidos."

A declaração é da nova secretária de Cultura, a Regina Duarte, nesta sexta (31). Ela publicou o desabafo, em sua conta no Instagram, após ter sido desautorizada publicamente por atores e atrizes que tiveram seus retratos publicados, por ela, em uma colagem de pessoas que, supostamente, apoiariam sua decisão de confirmar o "noivado" com Bolsonaro.

Independentemente da falta de checagem da futura secretária, que acabou lhe rendendo um belo constrangimento, é interessante como membros do governo federal usam o termo "pacificar". Principalmente a ala macarrônica, em que o próprio presidente se insere. Vejamos dois exemplos.

Ao assumir o Ministério da Educação, no dia 9 de abril do ano passado, Abraham Weintraub disse: "o que a gente vai fazer aqui, a primeira coisa, é pacificar. Quem continuar na guerra, quem continuar batendo, está fora, não tem segundo aviso".

Os últimos dez meses provaram, contudo, que "paz" é algo que passou muito, mas muito longe de sua gestão - mais focada em promover guerra cultural do que em buscar que todas as escolas do país tivessem direito a papel higiênico, esgoto, merenda e internet. Uma gestão que passou mais tempo xingando professores e ameaçando estudantes até com imagem de taco de baseball enrolado com arame farpado a ponto de fazer com que Abraham "O melhor Enem de todos os tempos" Weintraub fosse criticado por membros dos Três Poderes.

O mesmo se aplica a Jair Bolsonaro. Logo após ser confirmado como o 38º presidente da República, na noite de 28 de outubro de 2018, ele afirmou que trabalharia para "pacificar o Brasil", dizendo que seguiria "o exemplo do patrono do Exército, Duque de Caxias", garantindo que não haveria mais brigas. Como havíamos saído de uma eleição ultrapolarizada, isso foi um alento.

Não deu detalhes, porém, do que seria essa "pacificação". E, ao longo do último ano, percebemos que ela seria a mesma "pacificação" de Duque de Caixas junto à Guerra do Paraguai, há 150 anos, quando matamos e morremos às dezenas de milhares.

Bolsonaro promoveu a guerra, não a paz, governando para seus seguidores e fãs, esquecendo que é o presidente de todos os brasileiros. Ele apostou na manutenção de um inimigo imaginário (o comunismo, os ladrões de nióbio, os fabricantes de mamadeira de piroca...) para manter sua influência sobre uma parte do eleitorado, que o defende com unhas e dentes. Desde então, busca moldar o país à sua imagem e semelhança, batendo de frente com o restante da sociedade que não quer viver em uma versão tupiniquim de The Handmaid's Tale.

Esperemos que a nova secretária de Cultura tenha usado o termo diferentemente da forma usada por seu colega e seu chefe. Não é um bom sinal que ela tenha usado a palavra junto com termos como "resistência ideológica" e "unificação".

Caso contrário, ao falar de "paz" ela estava proferindo, na verdade, uma declaração de guerra, um aviso de que escanteará divergentes e deixará de fomentar a pluralidade de vozes e ideias. Divergência e pluralidade, que é o que se espera, de fato, da arte e da cultura.

Em tempo: São bizarras as manifestações machistas, violentas e preconceituosas contra Regina Duarte. É possível discordar de sua escolha, sua visão política e suas declarações de forma civilizada. Esquecer disso não torna uma parcela da esquerda mais ética do que aquilo que ela diz querer combater.