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Leonardo Sakamoto

Ataque a jornalista da Folha é episódio grotesco de violência contra mulher

Ex-funcionário de empresa de disparos em massa, Hans Nascimento (à dir.) presta depoimento nesta terça (11) na CPMI das Fake News - Jane de Araújo/Agência Senado
Ex-funcionário de empresa de disparos em massa, Hans Nascimento (à dir.) presta depoimento nesta terça (11) na CPMI das Fake News Imagem: Jane de Araújo/Agência Senado

Colunista do UOL

12/02/2020 02h49

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Logo após o deputado federal Eduardo Bolsonaro, filho do presidente, declarar, no Congresso Nacional e em suas redes sociais, que a jornalista Patrícia Campos Mello pode ter "se insinuado sexualmente em troca de informações para tentar prejudicar a campanha de Jair Bolsonaro", uma maré de mensagens violentas tomou conta da internet com o objetivo de destruir a reputação dela

O ressentimento bolsonarista contra uma das principais repórteres investigativas do país - responsável por uma série que revelou como empresários gastaram milhões de reais em disparos em massa de mensagens de WhatsApp para beneficiar o então candidato Bolsonaro - mostrou novamente seus dentes afiados.

Não é novidade o desprezo do bolsonarismo contra mulheres que são profissionais de imprensa, já que elas foram um dos alvos preferenciais da fúria do presidente no último ano. Mas o que aconteceu, nesta terça (11), foi um divisor de águas: o Brasil presenciou o linchamento violento de uma jornalista, baseado em uma mentira de cunho sexual, a fim de encobrir um crime eleitoral, cuja discussão não interessa aos atuais donos do poder. Bizarro, mesmo para o momento em que vivemos.

O deputado reverberava a declaração de Hans River Nascimento, ex-empregado de uma agência de disparo de mensagens digitais, que depôs na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito das Fake News. Ele, que havia sido fonte do jornal, mentiu à CPMI sobre o que havia dito anteriormente e atacou de forma abjeta a repórter, dizendo que ela havia oferecido sexo em troca de informação.

Suas declarações foram desmascaradas horas depois, por uma matéria da Folha de S.Paulo, que desmentiu ponto a ponto o que foi dito por ele na audiência, expondo material enviado pelo próprio Hans à reportagem, como áudios, fotos, planilhas e reproduções das trocas de mensagens - inclusive uma em que ele dá em cima da jornalista e ela, educadamente, o ignora.

Para uma parte das pessoas, contudo, pouco importa se a história é mentira, contanto que ela possa ser usada para atacar uma jornalista que incomodou o presidente com suas investigações. Seguem, com isso, a máxima da ignorância nas redes sociais e aplicativos de mensagens: verdade é tudo aquilo na qual eu acredito. A comprovação de fatos passa a ser irrelevante. E, mesmo alertadas que estão cometendo um crime, linchando alguém que, ainda por cima, é inocente, continuam repassando os ataques.

Acreditando estarem em uma guerra em nome de seu líder, não se importam com a razão e o bom senso tombando mortos.

Se por um lado, o episódio gerou demonstrações de indignação na parcela civilizada da sociedade, por outro, trouxe júbilo a hordas bárbaras que entenderam a mensagem do clã presidencial como um sinal não apenas para quebrar a resiliência de uma repórter, mas também que ela sirva de exemplo a outras mulheres que tentem fazer jornalismo. Sim, isso não se resume a ódio político e à imprensa, mas é ódio de gênero. Muitas vezes levado a cabo por homens inseguros, rancorosos, impotentes, que não conseguem ficar de pé sozinhos.

O mais fascinante desse episódio é ver que uma única repórter causa tanto medo no grupo político que governa o país. O que demonstra a força do jornalismo e de Patrícia Campo Mello, reconhecida internacionalmente como uma das melhores profissionais de imprensa, mas também a fraqueza de quem acha que pode vencer na base do grito.

A performance bizarra, desta terça, no Congresso Nacional e a forma como ela repercutiu quase que instantaneamente, como se fosse ensaiada, vai entrar como um dos maiores absurdos da história recente da combalida democracia brasileira. Mas também como uma das maiores passadas de recibo.

Em tempo: Se as instituições estiverem funcionando normalmente, como alardeiam os otimistas, o depoente será indiciado por mentir diante de uma CPMI e teremos um deputado que terá que se explicar a um Conselho de Ética por quebra de decoro parlamentar. Mas quem já desejou a morte da democracia e saiu ileso ao fazer apologia ao AI-5 sabe que pode se safar de qualquer coisa.