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Leonardo Sakamoto

Após 15 anos da execução da Irmã Dorothy, conflitos seguem matando em Anapu

Divulgação/Carlos Silva
Imagem: Divulgação/Carlos Silva

Colunista do UOL

12/02/2020 19h02

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Passados 15 anos da execução da irmã Dorothy Stang, não é possível dizer que a vida melhorou para os trabalhadores rurais de Anapu (PA). Por mais que sua morte, encomendada pelos fazendeiros Vitalmiro Bastos de Moura, o "Bida", e Regivaldo Pereira Galvão, o "Taradão", tenha repercutido internacionalmente, o município continuou a ser adubado com sangue de pobres e de lideranças sociais.

De acordo com levantamento da Comissão Pastoral da Terra, após o assassinato de Dorothy, em 12 de fevereiro de 2005, até o final do ano passado, ao menos 22 pessoas foram morta no município por causa de conflitos no campo - 14 trabalhadores rurais sem-terra, quatro lideranças populares, um assentado, um trabalhador rural, um funcionário público e um apoiador dos trabalhadores. E a Justiça demorou a ser feita - Bida foi preso em 2010 e Taradão, apenas em 2019.

O Projeto de Desenvolvimento Sustentável Esperança, pelo qual ela lutou e onde foi executada, acabou passando por uma desestruturação, com disputas internas e sendo alvo de desmatamento ilegal. José Amaro Lopes de Souza, o padre Amaro, sucessor de Dorothy e, como ela, membro da CPT, enfrenta uma campanha que visa a sua criminalização por parte de fazendeiros e madeireiros locais. Querem que a Justiça considere que padre Amaro está à frente de uma organização criminosa.

Entre eles, o presidente do Sindicato Rural de Anapu, Silvério Fernandes, cabo eleitoral de Jair Bolsonaro e ex-vice-prefeito da vizinha Altamira.

Um dos 22 mortos, Marcio Rodrigues dos Reis, assassinado no final do ano passado, era testemunha de defesa de Amaro. De acordo com a Comissão Pastoral da Terra, ele fez parte de um acampamento de famílias sem-terra que reivindicavam serem assentados em uma fazenda ocupada por Fernandes.

O padre Amaro é um caso extremo. Mas o governo Jair Bolsonaro espionou setores da Igreja Católica que atuam na defesa dos trabalhadores e povos na Amazônia sob a justificativa de evitar "interferência em assunto interno do Brasil".

Em fevereiro do ano passado, o general Augusto Heleno, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, afirmou que o governo estava agindo para monitorar e limitar a ação da ala mais progressista do catolicismo. "Estamos preocupados e queremos neutralizar isso aí", disse o ministro, preocupado com o Sínodo dos Bispos para a Amazônia.

Quando a ditadura militar se aliou a empresas brasileiras e estrangeiras para acelerar o processo de integração da Amazônia à economia global, que teve como "efeito colateral" a morte, a expulsão e a escravização de trabalhadores e povos do campo (num processo que segue ativo até hoje, sem interrupções), quem estava lá para enterrar os mortos, defender os sobreviventes e curar sua feridas eram organizações como a Comissão Pastoral da Terra e o Conselho Indigenista Missionário, ambas ligadas à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil.

Vale lembrar que a primeira denúncia com repercussão internacional por trabalho escravo na região, que veio a público com a ajuda da CPT e contra a vontade da ditadura, teve como alvo a fazenda Vale do Rio Cristalino, no Sul do Pará, que pertencia à Volkswagen.

A Teologia da Libertação tem sido uma pedra no sapato das alas mais conservadoras da Santa Sé e das elites política e econômica da América Latina há décadas por estar diretamente relacionada com a mobilização social de trabalhadores e moradores do campo na busca por seus direitos.

O discurso de que a solidariedade é reconhecer no pobre e no desamparado um semelhante e caminhar junto a ele pela libertação (da alma e do corpo) de ambos é visto como um problema para muita gente. Nomes como Pedro Casaldáliga, Tomás Balduíno, Henri des Roziers, Xavier Plassat, que estão ou estiveram junto ao povo, no meio da Amazônia, defendendo o direito à dignidade, acolhendo camponeses, quilombolas, indígenas e demais excluídos da sociedade, foram ou são perseguidos e ameaçados de morte. Padre Josimo e a irmã Dorothy Stang são exemplos de quem perdeu a vida por se colocar no caminho do desenvolvimento a qualquer custo.

Não é que eles tentam apenas suprir o buraco deixado pela ausência de políticas públicas para a garantia dos direitos mais fundamentais. Eles ajudam a evitar que esse mesmo Estado continue com sua política de rolo compressor contra esses direitos. E é por tornar mais difícil a tarefa de rifar a vida dos trabalhadores e dos povos da Amazônia que incomodam tanto.

O presidente Jair Bolsonaro ajudou a fomentar o salto no desmatamento e nas queimadas na Amazônia e o aumento no número de casos de violência contra indígenas e trabalhadores rurais através de seus discursos que empoderaram madeireiros, pecuaristas, garimpeiros, grileiros.

Anapu é um microcosmo disso. Lá existe milícia rural composta por pistoleiros, organizada por madeireiros e ladrões de terras públicas. De acordo com a CPT, esse grupo tem tido apoio e liberdade de ação no atual governo. Lideranças são obrigadas a deixar a cidade ou aceitar que podem ser a próxima vítima.

Grilagem e desmatamento vão destruindo um novo modelo de desenvolvimento que Dorothy ajudava a construir. Quinze anos após matarem seu corpo, estão terminando o serviço, assassinando seu sonho.