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Leonardo Sakamoto

Coronavírus: Bolsonaro virou problema de saúde pública e deve ser contido

15.mar.2020 - Movimentação durante manifestação Pró Bolsonaro na praia de Copacabana, na cidade do Rio de Janeiro, neste domingo, 15 - Saulo Angelo/Futura Press/Estadão Conteúdo
15.mar.2020 - Movimentação durante manifestação Pró Bolsonaro na praia de Copacabana, na cidade do Rio de Janeiro, neste domingo, 15 Imagem: Saulo Angelo/Futura Press/Estadão Conteúdo

Colunista do UOL

16/03/2020 16h23

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"Se eu me contaminei, isso é responsabilidade minha. Ninguém tem nada a ver com isso." Jair Bolsonaro deu essa declaração estapafúrdia, nesta segunda (16), sobre o lamentável episódio em que foi confraternizar com manifestantes que pediam um novo AI-5 e o fechamento do Congresso. Além de cuspir na Constituição, ele desrespeitou a recomendação de seu ministro da Saúde de evitar aglomerações por conta do coronavírus.

Egoísta, o presidente pensa nele e apenas nele, pois a orientação do seu próprio governo serve para evitar contrair a doença, mas também passá-la adiante para um grande número de pessoas. Ele disse que está bem de saúde, o que prova seu desconhecimento sobre o coronavírus - pessoas assintomáticas também infectam e exames dão falso negativo, principalmente quando não há sintomas.

Mesmo que ele não tenha contraído o vírus, seu mau exemplo já foi colhido. Pela quantidade de terraplanistas biológicos nos atos, o que é demonstrado pelos cartazes que duvidavam da existência do vírus, o número de pessoas que acha que tudo isso é invenção dos chineses comunistas para ferrar o Ocidente vai crescer devido ao desdém presidencial. O que afeta a vida do restante da sociedade, pois vírus não pede certidão de sanidade mental para entrar.

Apesar do primeiro teste de Jair Bolsonaro ter dado negativo, sua comitiva da viagem que fez aos Estados Unidos foi responsável por 5% de todos os casos identificados de coronavírus no Brasil até o momento (12 dos 234). O Ministério da Saúde tem demandado que viajantes do exterior fiquem sete dias em isolamento, o que o presidente desrespeitou. Isso só vale, pelo jeito, para cidadãos comuns, não para ele. Pois ele é mais igual que os outros.

Bolsonaro também quis "vacinar-se" de uma possível acusação de colocar outras pessoas em risco. Ou seja, caso ele, em algum momento, teste positivo, o que esperamos que não aconteça, vai dizer que pegou de alguém na multidão. E que isso foi graças a ter cumprido a "obrigação moral de saudar o povo" - e não uma manifestação de sua irresponsabilidade.

A "obrigação moral" que o presidente tem, a bem da verdade, é garantir que a população brasileira passe pela pandemia da melhor maneira possível. Mas enquanto o ministro Luiz Henrique Mandetta e profissionais da área de saúde nas esferas federal, estaduais e municipais trabalham para reduzir o impacto, Bolsonaro mostra que o que importa é ele e seu projeto pessoal de poder.

E se não bastasse ter incentivado seguidores a irem aos atos, após desincentivar seus organizadores a realizá-los, dias atrás, ele ainda tem a coragem de criticar a decisão de cancelar eventos esportivos.

"Cancelar jogos de futebol contribui para o histerismo. A CBF poderia pensar em vender uma carga de ingressos de acordo com a capacidade dos estádios. Porque cancelar não vai conter o vírus", afirmou Bolsonaro indo na contramão do que está acontecendo no mundo inteiro, atendendo a uma recomendação da Organização Mundial de Saúde.

Qualquer aglomeração - shows, disputas esportivas, manifestações, baladas, casamentos, formaturas - pode levar a uma contaminação em massa dos presentes, aumentando a velocidade com a qual a pandemia se espalha e sobrecarregar postos de saúde e hospitais.

A insensibilidade do presidente diante da crise (quebrada, às vezes, por pronunciamentos com conteúdo passado a ele por um adulto responsável) mostra que ele realmente acredita que o coronavírus é "uma pequena crise", "muito mais fantasia" e "não é isso tudo o que a grande mídia propaga pelo mundo", como já disse antes.

Até o grupo terrorista ISIS/Estado Islâmico enviou a seus seguidores a recomendação de evitar viagens para a Europa, que é, neste momento, o epicentro da pandemia, segundo o jornal inglês The Independent.

Mais de 168 mil infectados registrados e 6,5 mil mortos - números que, aliás, já estão desatualizados enquanto escrevo este texto - causados por uma pandemia global que não tem vacina, nem remédio, prova sim que ele deveria se preocupar.

Agora ele cita o risco de desemprego ao criticar as medidas que reduzem a circulação das pessoas. Caso estivesse realmente preocupado, deveria ter ordenado que sua equipe econômica criasse um plano para a crise ainda em janeiro, quando o naco racional da humanidade sabia que ela chegaria a todo o mundo.

Preferiu a negação e, agora, não apoia as medidas capazes de retardar a velocidade da infecção. Não entende que é melhor fechar as portas de empresas agora do que arranjar caixões depois.

Um presidente racional não gritaria "isso é histeria", nem "isso é o fim do mundo", mas navegaria pela tempestade com base em informação provida pela ciência e pela imprensa. Um racional, claro.

Bolsonaro age de forma irracional e egoísta diante do coronavírus, tendo se tornado um risco à saúde pública. Vale lembrar que os mortos e doentes também serão de responsabilidade das instituições que permaneceram em silêncio quando poderiam ter feito algo.

Post atualizado às 17h57 do dia 16/03/2020 para atualização do número de infectado na comitiva do presidente.