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Leonardo Sakamoto

O "surto moralizante" do governo vai derrubar apenas o ministro negro?

Assinatura do ato de nomeação de Decotelli, no dia 25 de junho                              - MARCOS CORRÊA/PR
Assinatura do ato de nomeação de Decotelli, no dia 25 de junho Imagem: MARCOS CORRÊA/PR

Colunista do UOL

30/06/2020 19h32

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Carlos Alberto Decotelli se demitiu por livre e espontânea pressão após o país descobrir que o novo ministro da Educação mentiu sobre ter um doutorado e um pós-doutorado - sem contar as acusações de plágio no mestrado. Cometeu fraude, em suma. E insistiu nela.

Jair Bolsonaro primeiro fez silêncio, depois elogiou o escolhido. Dizem seus assessores que, ao final, ficou indignado com a situação. Deveria, portanto, aproveitar este momento "moralização" e fazer um pente-fino em todas as pastas de sua administração e não apenas nos próximos candidatos à vaga que era do espalhafatoso Abraham Weintraub.

Não apenas para checar a capivara acadêmica dos assessores do presidente, mas outras coisas que desabonem sua conduta pública. Como ameaçar de prisão prefeitos e governadores ou ministros do Supremo Tribunal Federal.

Ficaríamos sabendo se a sua indignação é real ou se ela decorre do fato de ter que enfrentar mais um percalço num momento em que um de seus olhos mira o inquérito das fake news que atingiu seus aliados e, o outro, está atento a Fabrício Queiroz - preso provisoriamente em Bangu em meio à investigação de desvio de recursos públicos dos gabinetes de sua família.

Poderia começar limando quem tem dúvidas sobre a gravidade da pandemia de covid-19 e sobre existência das mudanças climáticas. Porque isso significa apoiar a morte de pessoas.

Depois procurar ministros que foram condenados por improbidade administrativa devido a fraude em plano de manejo.

Checar se há ministros denunciados por falsidade ideológica, apropriação indébita e associação criminosa por plantarem candidaturas-laranja nas eleições de 2018.

Verificar aqueles que tenham participado de manifestações que pediram o fechamento do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal.

Talvez até se depare, em meio ao pente-fino, com uma espécie de "gabinete do ódio" operando dentro da sede do governo federal, com ataques digitais organizados contra adversários do presidente, ministros do Supremo Tribunal Federal e a imprensa.

Tem tanta coisa moralmente e eticamente errada que pode ser encontrada com uma passada de olhos sobre esse governo que fica até difícil ser irônico.

O fato é que se esse surto moralizante servir apenas para o primeiro e único ministro negro, vai ficar parecendo aquilo que já está parecendo.

Em tempo: antes que digam que a gente vê coisas onde elas não existem, vale ressaltar que essa é a consequência da coisa toda ser estrutural. E cabe a nós autocrítica.