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Leonardo Sakamoto

Sem dados, dano colateral preocupa tanto quanto eficácia de vacina russa

Colunista do UOL

12/08/2020 18h19

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O anúncio do registro da primeira vacina contra covid-19, a Sputnik V, pelo presidente russo Vladimir Putin veio cercado de desconfiança devido à falta de informações a respeito de testes sobre o produto. Dessa forma, o país poderia estar colocando no mercado uma vacina ineficaz para a prevenção ao coronavírus. A pior das hipóteses, contudo, não é essa. Ele pode vir a distribuir um produto sem garantia de segurança, com efeitos colaterais preocupantes, como explicam especialistas ouvidas pela coluna.

Com o crescente movimento antivacinação, médicos e cientistas apontam que colocar no mercado um produto sem resultados transparentes sobre todas as etapas de testes, e portanto, menos seguro, terá impactos não apenas em quem for inoculado com o produto e na sociedade que acreditar que ele funciona, como também sobre campanhas de vacinação envolvendo outras doenças. Ou seja, a credibilidade da imunização em massa, que está sob injustificado ataque, também está em jogo.

Se o Sputnik V funcionar, será um sucesso e Putin marca um gol geopolítico. Se imunizar por apenas um curto período de tempo ou não imunizar uma grande parte dos inoculados causará um impacto na saúde coletiva, pois acreditando estar protegida, a população volta à vida normal. E, com isso, acabará contraindo o vírus e desenvolvendo a doença.

Porém, há também a possibilidade de o próprio produto causar efeitos colaterais com frequência e intensidade graves. Até agora, não há informação sobre efeitos colaterais devido à ausência de dados à disposição sobre a vacina.

"Além de seu funcionamento, estamos preocupados com a segurança. Quando começarmos uma vacina nova para uma doença nova, a primeira pergunta que tem que ser respondida com alguma certeza é se ela causará dano às pessoas", afirma Rosana Richtmann, médica infectologista do Instituto de Infectologia Emílio Ribas, em São Paulo. "Se ela vai funcionar ou não, é secundário, porque você está injetando algo em alguém saudável."

"Não conhecemos nada com relação à segurança da vacina russa. Pode haver uma reação adversa grave no curto prazo", explica.

A preocupação é compartilhada pela microbióloga e diretora do Instituto Questão de Ciência Natália Pasternak: "Há muitos riscos e efeitos colaterais que podem aparecer nas fases 1 e 2 de testes. Sobre essa vacina, não há informações nem sobre a fase 1, em que há o ajuste da dosagem para garantir que a quantidade seja segura, nem sobre a 2, que trata dos marcadores de imunidade".

"Como eles não informam, não sabemos se foi feito, nem que tipo de reação adversa causou", diz.

Segundo ela, os efeitos colaterais mais comuns aparecem nas primeiras fases de testes e os mais incomuns, mais para frente. Por isso, usa-se um grande número de voluntários por um período longo de tempo. Pasternak destaca que há vacinas que, nas últimas fases de testes, provocaram efeitos colaterais graves e foram recolhidas.

De alergias a uma versão mais forte da própria doença, vários efeitos colaterais são possíveis em um novo produto.

Tanto as vacinas que estão sendo desenvolvidas pela Universidade de Oxford, no Reino Unido, quanto pela chinesa Sinovac - que contam com parcerias no Brasil com a Fundação Oswaldo Cruz e o Instituto Butantã, respectivamente - estão na fase 3 de testes, sob avaliação de sua eficácia.