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Leonardo Sakamoto

Se não fugir de novo, esposa de Queiroz pode ser enxaqueca para Bolsonaro

 Marcia Oliveira Aguiar, esposa de Fabrício Queroz  -  Reprodução
Marcia Oliveira Aguiar, esposa de Fabrício Queroz Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

13/08/2020 21h21

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Félix Fischer, ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), revogou a prisão domiciliar do ex-assessor de Flávio Bolsonaro que havia sido concedida pelo presidente da corte (e possível candidato à vaga de ministro do Supremo Tribunal Federal), João Otávio de Noronha.

Se ele vai voltar de fato à cadeia, é uma incógnita - o roteirista imaginário do país fez escola com Monty Python. E, mesmo que isso aconteça, não se sabe o quanto essa decisão vá durar. A defesa de Queiroz já tinha pedido um habeas corpus ao STF para que ele não voltasse à cadeia e tivesse liberdade total. A análise está sob responsabilidade do ministro Gilmar Mendes, um garantista e um político. Há chance de considerar a prisão abusiva ou que ele tenha o direito de ficar em casa durante a pandemia devido ao seu tratamento de câncer.

O retorno à cadeia daquele que é apontado pelo Ministério Público do Rio como operador do desvio de salários do gabinete do então deputado estadual Flávio Bolsonaro, é notícia ruim para o presidente da República. Não tanto por Queiroz, personagem leal a Jair, seu faz-tudo por tantos anos e companheiro de pesca, que diante de uma "pica do tamanho de um cometa" é capaz de ficar mudo como um bonequinho de Tony Montana. Mas por que a decisão também inclui sua esposa, Márcia Oliveira de Aguiar.

E não há garantia que ela ostente o mesmo desprendimento de trocar sua liberdade pelo sono da primeira-família. Vale lembrar que Márcia estava foragida da Justiça quando foi beneficiada com a prisão domiciliar. O motivo não foi sua condição de saúde, mas a avaliação de Noronha de que ela precisava cuidar do marido durante a pandemia.

E ela pode aceitar falar o que sabe para proteger a si mesmo ou à filha, Nathália, também envolvida no esquema de "rachadinhas".

Márcia depositou R$ 17 mil na conta de Michelle Bolsonaro, segundo informou o jornal Folha de S.Paulo. E a quebra de sigilo bancário de Queiroz mostra que ele colocou mais R$ 72 mil, entre 2011 e 2018, como revelou a revista Crusoé.

O Coaf havia apontado, em 2018, um depósito de R$ 24 mil de Queiroz para a primeira-dama. Jair prontamente disse que isso era parte da devolução de um empréstimo de R$ 40 mil que ele fez ao amigo de longa data. Porém, nunca comprovou isso. E xingou os jornalistas que pediram comprovantes da transação.

A investigação do MP-RJ descobriu, por exemplo, que Flávio usou R$ 86.779,43 em dinheiro vivo para comprar salas comerciais. Segundo seu depoimento aos promotores que apuram o caso, o senador pediu os valores emprestados para o pai e um dos irmãos - que não especificou quem - para tanto. A informação foi revelada pelo jornal O Globo. Márcia pode indicar que o esquema não se restringia a Flávio, mas incluía outros Bolsonaros.

Os repasses, transferências e pagamentos são um exemplo, mas não o único de dúvidas que seriam sanadas por ela. Márcia de Aguiar poderia falar sobre as relações do gabinete de Flávio Bolsonaro com o falecido Adriano da Nóbrega, chefe do grupo de matadores de aluguel Escritório do Crime, e com os milicianos da Zona Oeste do Rio. Ou dos dias em que o então deputado federal, Jair Bolsonaro, ia despachar no gabinete do filho, na Assembleia.

Também nesta quinta (13), o Coletivo de Advogados em Direitos Humanos (CADHu) entrou com um agravo contra a decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro que negou um habeas corpus coletivo para beneficiar presos provisórios que são os principais cuidadores de pessoas idosas, imunodeprimidas ou com doenças crônicas. A decisão usou o caso de Márcia de Aguiar como exemplo.

Diante do pedido, o tribunal havia dito não - da mesma forma que o STJ disse não a um pedido de habeas corpus coletivo para presos idosos, imunodeprimidos e com doenças crônicas, usando como base o benefício concedido a Queiroz.

O mesmo grupo de advogados havia sido responsável por um habeas corpus coletivo concedido pelo STF, em 2018, em favor de todas as mulheres grávidas ou mães de crianças até 12 anos, em prisão preventiva. Na época, ele foi motivado pelo benefício concedido a Adriana Ancelmo, ex-primeira dama do Rio e então companheira do ex-governador Sergio Cabral.

E foi Gilmar Mendes que havia garantido a ela o retorno à prisão domiciliar sob a justificativa de que ela tinha um filho pequeno - a legislação prevê a comutação da pena cumprida em penitenciária para prisão domiciliar nesses casos. Desde então, milhares de mulheres ganharam a prisão domiciliar sob esse argumento. Mas a maioria, que poderia ser beneficiada, segue presa por decisão de magistrados.

O caso de Márcia de Aguiar é imprevisível pois essa seletividade da Justiça brasileira gera uma situação em que leis podem se adaptar às pessoas e às circunstâncias. A prisão dela pode durar pouco ou nem acontecer. Afinal, nem todo mundo é casado com um Best Friend Forever do presidente.