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Leonardo Sakamoto

Presidente, por que Michelle recebeu R$ 89 mil de Queiroz e esposa?

Fabrício Queiroz e Jair Bolsonaro - Reprodução do instagram
Fabrício Queiroz e Jair Bolsonaro Imagem: Reprodução do instagram

Colunista do UOL

23/08/2020 19h14Atualizada em 24/08/2020 08h37

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Questionado, neste domingo (23), por um repórter do jornal O Globo sobre os depósitos feitos por Fabrício Queiroz na conta da primeira-dama, Michelle Bolsonaro, o presidente da República afirmou: "Minha vontade é encher tua boca com uma porrada". Logo depois, chamou o jornalista de "safado". Estava em frente a uma igreja, a Catedral Metropolitana de Brasília, quando fez a ameaça.

Presidente, por que Michelle recebeu R$ 89 mil de Queiroz e esposa?

A quebra de sigilo bancário de Queiroz mostrou que ele depositou R$ 72 mil na conta da primeira-dama entre 2011 e 2018, conforme revelou a revista Crusoé. Sua esposa, Márcia de Aguiar, colocou mais R$ 17 mil - informação obtida pela Folha de S.Paulo. No total, R$ 89 mil.

De acordo com o Ministério Público do Rio de Janeiro, o ex-assessor de Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) era o operador do desvio de recursos públicos do gabinete do então deputado estadual e, hoje, senador. O Coaf havia apontado, em 2018, um depósito de R$ 24 mil de Queiroz para Michelle. Jair prontamente disse, naquele ano, que isso era parte da devolução de um empréstimo de R$ 40 mil que ele fez ao amigo de longa data. Porém, nunca comprovou nada.

Bolsonaristas usam como tática de defesa a justificativa de que o "problema" não envolve o presidente, apenas Flávio. Os depósitos não explicados na conta da primeira-dama, contudo, indicam outra coisa.

Presidente, por que Michelle recebeu R$ 89 mil de Queiroz e esposa?

Bolsonaro já havia tratado com violência profissionais de imprensa que cobraram explicações sobre o assunto. No dia 20 de dezembro, após um deles perguntar sobre comprovantes de transações que envolviam Queiroz e sua família, disse: "Ô rapaz, pergunta pra tua mãe o comprovante que ela deu pro teu pai, tá certo?" Agora, ele escala vários degraus.

Quando Jair é posto contra as cordas por perguntas de jornalistas que não sabe responder (ou sabe que sua resposta comprometerá ainda mais ele, sua família ou seu governo), ataca o profissional e a imprensa. A comparação mais válida é com uma criança pequena que roubou o lanche da outra no recreio e, inquirida pelos coleguinhas, diz que eles são bobos, feios e maus. Ou parte para a porrada - sem responder aonde está o sanduíche.

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Aliás, comportamento violento é o padrão do presidente no trato com a imprensa. A lista de ataques é longa, principalmente contra mulheres. Por exemplo, em 16 de janeiro, mandou a repórter Talita Fernandes calar a boca. "Fora, Folha de S.Paulo, você não tem moral para perguntar, não", afirmou. "Cala a boca." O jornal questionava Bolsonaro sobre o que ele iria fazer diante do conflito de interesses em que estava metido seu então secretário de Comunicação Social, Fabio Wajngarten. No mesmo dia, ele voltou à carga. Questionado se sabia dos contratos assinados pela empresa de Wajngarten, respondeu "Está falando da tua mãe? Você está falando da tua mãe?"

Isso sem contar o ataque abjeto à repórter Patrícia Campos Mello. "Ela queria um furo. Ela queria dar o furo a qualquer preço contra mim", afirmou o presidente, rindo e provocando risos em sua claque. Ao repetir a insinuação mentirosa de um depoente na CPMI das Fake News e de seu filho, o deputado federal Eduardo Bolsonaro, de que uma jornalista ofereceu sexo em troca de informações, reforçou a percepção de que é incapaz de governar sem promover a guerra. Mas apesar de seu comportamento agressivo, egocêntrico, pouco empático e sem remorso demonstrar psicopatia, ele usa, compulsivamente, o cargo de forma racional e consciente para atingir aqueles que enxerga como capazes de criar problemas para seus planos e os de sua família.

Presidente, por que Michelle recebeu R$ 89 mil de Queiroz e esposa?

Fosse o presidente de uma democracia, casos como o deste domingo, em que age como se estivesse no QG de uma milícia em Rio das Pedras, obrigariam-no a prestar esclarecimentos. Não apenas pela violência com o qual o governante tratou um profissional de imprensa, mas também porque ele, mais uma vez, expõe o que todo mundo sabe: que o casal-bomba, Fabrício Queiroz e Márcia de Aguiar, tem potencial para implodir o seu governo caso abra o bico. Usando a famosa declaração do velho companheiro de pesca de Jair e ex-assessor de Flávio: ambos são uma "pica do tamanho de um cometa para enterrar" na família do presidente.

Infelizmente, a tendência é que isso acabe por desaparecer em meio à névoa de insultos, ameaças, ataques, agressões, machismos, homofobias, que turva a República desde Primeiro de Janeiro. A menos que alguém fale. Queiroz é leal a Bolsonaro. Mas o mesmo não se pode dizer de Márcia. Por isso, o desespero para garantir que ela não fosse transferida da prisão domiciliar para a prisão provisória.

Presidente, por que Michelle recebeu R$ 89 mil de Queiroz e esposa?

Infelizmente, ataques como o deste domingo não morrem aqui. Servem de sinal para que hordas bolsonaristas invadam a vida privada dos profissionais de imprensa que foram alvo da ira presidencial, perseguindo-os, distorcendo fatos, expondo dados pessoais, ameaçando famílias. Por vezes, transborda a rede e vai para a rua, para o restaurante, para a porta da casa.

Como já disse aqui, esse processo de ataque sistemático a profissionais de imprensa se assemelha à tortura - instrumento de trabalho do açougueiro Brilhante Ustra, assassino da ditadura militar, apontado como herói por Bolsonaro. Não apenas para que o profissional em questão seja apenas punido por incomodar, mas para que, traumatizado, nunca mais tenha coragem de tratar do assunto novamente.

Cabe à sociedade decidir se quer uma imprensa livre, mesmo que discorde dela, e sair em sua defesa. Ou está satisfeita com a proposta colocada à mesa por Bolsonaro: substituir a pluralidade por uma "Verdade" ditada por lives no Facebook ou em posts no Twitter pelo chefe do Poder Executivo. Uma verdade rasa que esconde um profundo vazio, que varre para baixo do tapete a corrupção quando lhe diz respeito e que não aceita o contraditório.

Ou se ela quer trocar a liberdade, conquistada com base no sangue e na saudade de muita gente morta pela ditadura, em nome da imposição de um projeto econômico excludente e questionável, mas defendido arduamente por parte da elite que sonhou um dia que tutelaria Bolsonaro.

Por isso, pelo bem do que resta da democracia, é preciso perguntar até ouvir uma resposta:

Presidente, por que Michelle recebeu R$ 89 mil de Queiroz e esposa?