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Leonardo Sakamoto

Bolsonaro, 40%: Repelente de R$ 600 espantou responsabilidade pelos 140 mil

19.05.2020 - Parentes de vítima da covid-19 após velório em cemitério Parque Taruma, em Manaus - Andre Coelho/Getty Images
19.05.2020 - Parentes de vítima da covid-19 após velório em cemitério Parque Taruma, em Manaus Imagem: Andre Coelho/Getty Images

Colunista do UOL

25/09/2020 22h16

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A aprovação do governo Bolsonaro passou de 29%, em dezembro do ano passado, para 40% em setembro deste ano, de acordo com pesquisa Ibope, desta quinta (24). No dia seguinte, o Brasil ultrapassou a barreira dos 140 mil óbitos (oficiais) por covid-19. A argamassa que faz com que esses dois números contraditórios fiquem juntos, como vocês bem sabem, atende pelo nome de auxílio emergencial.

A popularidade cresceu mais entre os que possuem renda familiar de até um salário mínimo, passando de 19% para 35%. Esse grupo, socialmente mais vulnerável, está sendo beneficiado pelo (necessário) programa de transferência de renda durante a pandemia.

O efeito disso foi sentido na percepção dos entrevistados quanto às políticas de combate à fome e à pobreza, que passou de uma aprovação de 40% para 48% no mesmo período. Como o governo não fez nada de muito útil nessa área, pode-se atribuir essa melhora no pagamento das cinco parcelas de R$ 600/R$ 1200, seguidas dos repasses de R$ 300.

Vendo que programas sociais trazem retorno de imagem, Jair Bolsonaro se untou em auxílio. Perdemos a conta do número de vezes que seu governo o vendeu como o único pai da criança, deixando deputados e senadores em segundo plano.

Mas ele não tem nada muito além disso para mostrar. Tanto que parte da população está voltando a procurar emprego e percebendo o buraco em que se encontra. Até porque vive em um país governado por um grupo que não conta com uma política nacional de geração de postos de trabalho.

Não à toa, subiu a desaprovação das "políticas" de Bolsonaro para o combate ao desemprego - de 56% para 60%. E a aprovação foi de 41% a 37%. A margem de erro é de dois pontos.

A partir de Primeiro de Janeiro, não haverá mais pagamento do auxílio emergencial. E, por enquanto, nem programa similar para ficar no lugar. Com isso, a tendência é que o aumento de popularidade que ele experimentou comece a derreter. E nem toda gritaria sobre pedofilia e aborto vão dar conta de manter esse apoio. Por que o pessoal mais pobre, convenhamos, não se alimenta de fake news de mamadeira de piroca.

Mirando a conquista da base lulista e a reeleição em 2022, Bolsonaro sabe que seu futuro político depende mais de um programa de transferência de renda parrudo do que do respeito às balizas fiscais e de preocupação com o endividamento.

Seu negacionismo quanto à pandemia e seu desapreço pelo meio ambiente foi afastando uma parte da classe média que o apoiava originalmente. O Ibope apontou que, entre quem recebe mais de cinco salários mínimos, aumentou a insatisfação com o governo: de 22% para 34%. Nessa faixa de renda, 39% ainda o aprovam. Ainda.

Essa fuga foi reposta pelo apoio que recebeu de parte daqueles que recebem o auxílio, grupo numericamente mais numeroso.

Ironicamente, ele pode ser salvo pelo Congresso Nacional uma segunda vez. No início do ano, ganhou um presentão quando deputados e senadores rejeitaram sua proposta original de um auxílio emergencial de apenas R$ 200. Com o anúncio do fim das negociações pelo seu Renda Brasil, parlamentares começaram a discutir projetos de renda básica que tramitam nas duas casas. Com o aval do próprio Bolsonaro.

Como já disse aqui, o presidente gosta de terceirizar. Da mesma forma que deixou o trabalho pesado para prefeitos e governadores na pandemia, enquanto se divertia passeando de jet ski, promovendo aglomerações antidemocráticas e xingando jornalista, ele pode deixar o quebra-cabeça da fonte de recursos para ser resolvido pelo parlamento. Depois, é só aparecer no final e sequestrar a paternidade.

Há uma massa de pessoas pobres que não gosta dele, mas que é pragmática a ponto de saber que não faz sentido mudar uma situação que lhe é benéfica - ainda mais em um país que quase sempre lhe dá as costas.

O presidente tem até o final do ano para parasitar uma solução dada pelo Congresso ou apoiar alguma forma de revisão no teto dos gastos a fim de permitir um bicho que brote do cruzamento entre o Bolsa Família e o auxílio emergencial.

Ou pode voltar àquela condição de popularidade em que as palavras "Bolsonaro" e "impeachment" eram gritadas em panelaços semanais.