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Leonardo Sakamoto

Vacina: Declaração de Bolsonaro demonstra medo de ser visto como uma farsa

Bolsonaro ergue cloroquina para apoiadores                              - Reprodução/Facebook
Bolsonaro ergue cloroquina para apoiadores Imagem: Reprodução/Facebook

Colunista do UOL

22/10/2020 11h32

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Diante das críticas pela decisão de abortar a compra de 46 milhões de doses da vacina desenvolvida na China e produzida pelo Instituto Butantan, Jair Bolsonaro voltou a se reafirmar em público com a frase "o presidente sou eu". Depois completou com "não abro mão da minha autoridade". Aquilo que parece uma demonstração de força, contudo, revela baixa autoconfiança e medo de voltar a ser tratado como aquilo que sempre foi, um deputado estridente e com baixa produtividade.

Quando um presidente eleito com dezenas de milhões de votos chega ao ponto de ter que dizer uma obviedade como essa em público, é porque não crê na legitimidade que as urnas lhe conferiram e, portanto, precisa reforçar a percepção de poder. Teme que as pessoas não o vejam como líder, mas como uma farsa que está em lugar errado.

Desde que começou a crise trazida pela pandemia de coronavírus, tem, repetidas vezes, dito que é ele quem manda. "O presidente sou eu, pô. O presidente sou eu. Os ministros seguem as minhas determinações", afirmou Bolsonaro, por exemplo, no dia 26 de março, em frente ao Palácio do Alvorada.

Respondia a um questionamento sobre a declaração de seu vice, general Hamilton Mourão, de que o governo continuava com posição única, defendendo o "isolamento e distanciamento social" para combater a infecção. Bolsonaro, claro, era contra tais recomendações embasadas pela ciência.

Em coletiva à imprensa, realizada no dia 18 de março, claramente ressentido pelo fato de a mídia elogiar o trabalho do então ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, e não o dele, afirmou: "se o time está ganhando, vamos fazer Justiça, vamos elogiar o seu técnico - e o seu técnico chama-se Jair Bolsonaro".

Essa constrangedora necessidade de autoafirmação em público não está conectada apenas à pandemia. Nos atritos entre ele e o então ministro da Justiça, Sergio Moro, por conta das trocas no comando da Polícia Federal, afirmou, no dia 18 de agosto do ano passado: "quem manda sou eu, vou deixar bem claro".

"Eu tenho poder de veto, ou vou ser um presidente banana agora?", questionou, demonstrando uma insegurança incomum para um presidente da República. Ninguém o havia acusado de ser um presidente-banana, foi ele quem trouxe a frugal imagem à tona, expondo o que ele acha que as pessoas pensam dele e, portanto, seus traumas e medos.

Sempre que criticado, Bolsonaro usa essa declaração como se precisasse justificar o lugar que ocupa. Mesmo considerando que há nele um processo paranoico, através do qual ele toma decisões contraproducentes e que acabam causando problemas ao país, se tivesse certeza de que é visto como alguém tecnicamente e politicamente qualificado para a tarefa, não a repetiria.

Bolsonaro confunde autoridade com autoritarismo. Respeito e credibilidade são conquistados através de uma longa construção. Com esse comportamento inseguro, deve acreditar que, para além do bolsonarismo-raiz, aquele naco entre 12% e 16% da população que pula no esgoto se o seu herói mandar, os demais devem ser governados não pelo diálogo e o convencimento, mas pela força e a imposição.

Força que usa para evitar que a população tenha acesso a medicamentos em nome de interesses eleitorais, da geopolítica da vassalagem com Donald Trump e do engajamento de seus seguidores fiéis. Ou seja, para defender seus interesses, não os da população.

Se ele tivesse conseguido impor o que queria na pandemia, o auxílio emergencial teria sido de R$ 200, todos estariam tomando um remédio sem eficácia para a covid, não teríamos feito quarentenas e, com isso, o número de mortos seria muito maior que os atuais 155 mil. Acha que a não obediência às suas propostas estapafúrdias é desrespeito à autoridade. Na verdade, é um movimento pela vida.