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Leonardo Sakamoto

Bolsonaro muda lema de 'Pátria amada Brasil' para 'É dando que se recebe'

Presidente Jair Bolsonaro e o deputado federa Arthur Lira (PP), seu candidato à Presidência da Câmara                              - REPRODUçãO/REDES SOCIAIS
Presidente Jair Bolsonaro e o deputado federa Arthur Lira (PP), seu candidato à Presidência da Câmara Imagem: REPRODUçãO/REDES SOCIAIS

Colunista do UOL

01/02/2021 12h12

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Os candidatos apoiados por Jair Bolsonaro chegam como favoritos à eleição para as presidências da Câmara do Deputados e do Senado Federal, nesta segunda (1º), após ele liberar bilhões em emendas extras, entregar cargos no governo que comandam polpudos orçamentos e apontar uma reforma ministerial. Fluxo de transferência que - iniciado no ano passado, em meio às investigações do Supremo Tribunal Federal sobre os atos antidemocráticos e as fake news - não deve parar até 2022.

Aqueles discursos fajutos de "nova política" e de repúdio ao "toma-lá-dá-cá", ou seja, ao "é dando que se se recebe", não combinavam com emprego de funcionários fantasmas, depósitos inexplicáveis de cheques em conta bancária da esposa, "rachadinhas" com dinheiro público, uso de apartamento funcional mesmo tendo imóvel próprio e defesa intransigente de milicianos assassinos que acompanhavam a família Bolsonaro. Pelo menos, coloca tudo em pratos limpos.

E o centrão volta para o seu lugar, comandando os destinos da política nacional, com todo o fisiologismo que lhe é de direito.

O jornal O Estado de S.Paulo mostrou que Jair gastou R$ 3 bilhões em emendas extras na forma de obras a 285 deputados e senadores como preparação para a eleição de hoje. Não se sabe o valor exato, mas o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), acusou o Planalto de oferecer R$ 20 bilhões em emendas. Soma-se a isso o orçamento dos cargos entregues a aliados do centrão.

Claro que uma parcela dos que hoje torcem o nariz, com cara de nojinho, para essas negociatas não se manifestou quando o mesmo expediente foi usado para a aprovação da Reforma Trabalhista e da Reforma da Previdência. Mas como o prejudicado eram apenas os trabalhadores, tudo bem.

A compra de deputados e senadores não representam um comércio qualquer. Mesmo desembolsando altas somas em dinheiro público, o presidente da República não poderá chamar esse produto de seu. Pois a cada votação relevante, principalmente aquelas que dizem respeito a afastar riscos para ele e seus filhos políticos, novos pagamentos terão que ser feitos.

A relação fisiológica estabelecida entre Congresso e Palácio do Planalto é muito mais um "aluguel" do que uma "compra". Tanto que, se os pagamentos cessam, não há pudor em romper o contrato e despejar o inquilino. Bolsonaro comemora agora, achando que é dono de um centrão. Na verdade, é o centrão que é dono de um presidente.

Para que os deputados federais rejeitassem as duas denúncias criminais contra Michel Temer por corrupção passiva e por obstrução de justiça e organização criminosa, entre junho e outubro de 2017, o governo federal concedeu mais de R$ 36 bilhões em emendas e medidas negociadas, segundo cálculos de O Estado de S.Paulo na época.

Chegou-se a montar um balcão de compra e venda de votos com representantes do governo e suas planilhas no plenário da Câmara, sem o mínimo pudor. Como na votação da segunda denúncia o dinheiro de emendas havia ficado escasso, incluiu-se o apoio a mudanças em leis, portarias e perdões bilionários de dívidas públicas.

Considerando que o rombo fiscal de 2020 nas contas públicas foi de R$ 743,1 bilhões, o pior resultado da série histórica iniciada há 24 anos, resultado da pandemia e da incompetência do governo na gestão da pandemia, e que o Ministério da Economia elevou a projeção do rombo em 2021 para R$ 247,1 bilhões, pode-se dizer que Bolsonaro tem ação limitada para pagar esse aluguel. O que abre caminho para que o balcão de negócios inclua mudanças legais e infralegais que interessem a membros do centrão e seus financiadores.

Por exemplo, deputados da oposição colocam na fatura da salvação de Temer uma mudança nas regras de fiscalização do trabalho que dificultaram a libertação de escravizados em outubro de 2017. O repúdio nacional e internacional foi tão grande que o STF suspendeu a mudança e o governo acabou por voltar atrás. Mas não houve dedos para rifar o combate ao trabalho escravo. Imagine agora, com um governo de extrema direita.

A diferença é que, apesar do comportamento de Bolsonaro ter ajudado o Brasil a atingir quase 225 mil mortos por covid-19, ele conta com Augusto Aras na Procuradoria-Geral da República ao contrário de Temer, que tinha Rodrigo Janot em seu cangote. Segue mais difícil o tal camelo passar pelo buraco da tal agulha do que Aras denunciar Bolsonaro por crimes que ele cometeu na pandemia.

O presidente também realizou um lento trabalho para sequestrar instituições de monitoramento, fiscalização e controle, como setores da própria Polícia Federal, reduzindo os riscos sobre ele e sua família.

Além disso, Michel Temer chegou a 3% de aprovação enquanto Jair está na casa dos 30% e conta com um colchão de 16% de seguidores radicais mais do que fiéis, segundo o Datafolha, que não acreditariam que está comprando votos nem se um vídeo mostrasse ele colocando lobos-guará na cueca de um político. E por mais que haja indignação de setores da sociedade quanto à necropolítica presidencial, e uma parte da classe média acredite que o impeachment é iminente, nada mostra um derretimento na aprovação que coloque em risco o seu mandato.

Ainda mais porque um novo auxílio emergencial vem aí, logo depois da eleição de hoje, o que vai dar fôlego a ele junto a quem ganha ate três salários mínimos - público que substituiu uma parte dos grupos mais ricos que o abandonaram por seu terraplanismo biológico.

Tudo isso reduz a "pressão inflacionária" sobre o aluguel de votos de parlamentares. Mas não a anula.

Quando quiser aprovar pautas polêmicas de costumes, Bolsonaro também terá que desembolsar um cascalho extra, quase como uma taxa para que deputados se indisponham com parte da opinião pública. Como no caso da redução da maioridade penal para 14 e 16 anos, que está tramitando em forma de proposta de emenda constitucional puxada pelo senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ). Ou na aprovação da redução de proteções para trabalhadores sob a justificativa de retomada. Ou na hora de barrar aumento de impostos sobre super-ricos.

E caso queira mais recursos, é só o centrão ameaçar que vai aceitar a abertura de uma CPI da Pandemia, proposta pela oposição, para a máquina do dinheiro voltar a funcionar.

Recomenda-se que Jair instale um daqueles sistemas de cobrança automática, que permitem a carros passarem por pedágio sem parar, nas lideranças do governo no Congresso, para serem usados antes das votações. Mas, ao invés de débito, depósito em conta. Facilitará sua vida de agora em diante.