Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Pito em Ernesto Araújo por não usar máscara em Israel é humilhante
Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail
A cena em que Ernesto Araújo, ministro das Relações Exteriores, toma um pito da organização de um evento realizado em Israel, pedindo para que coloque a máscara antes de tirar uma fotografia com o seu colega, o chanceler Gabi Ashkenazi, é uma das cenas mais constrangedoras da história da diplomacia brasileira.
Não foi lapso ou esquecimento. Isso é paradigmático do que é o seu comportamento no Brasil, como o dia 27 de janeiro, quando estava numa churrascaria lotada, batendo palma para Jair Bolsonaro enquanto o presidente xingava jornalistas. Ernesto simplesmente não se importa.
E olha que a imagem do país no exterior está na sarjeta já há dois anos. Da disparada no desmatamento e nas queimadas na Amazônia, passando pelos episódios de pornográfica vassalagem com o governo Donald Trump até o terraplanismo biológico diante da covid-19 (que transformou o país em ameaça sanitária global), nos tornamos uma espécie de Zé Ruela das nações.
Mas o vídeo de Ernesto "Negacionista do Clima" Araújo, que viralizou nas redes sociais, é extremamente didático para que o mundo entenda o que somos obrigados a viver diariamente.
Claaaaaaro que, dificilmente, países farão algo para pressionar o governo brasileiro a adotar medidas eficazes contra a covid. Mas fundos de investimento responsáveis também não vão colocar dinheiro em um país sem perspectivas de retomada econômica por conta da montanha de corpos que fica cada vez mais alta.
'Mais ridículo do que o pito no chanceler é o motivo da viagem em si'
A comitiva do governo brasileiro (que foi a Israel criar um factoide diante da escalada de mortes por covid-19) tirou uma foto ao sair do Brasil. Nela, ninguém usava a máscara. Ao chegar em solo israelense, em uma foto semelhante, todos estavam com o equipamento de proteção.
Lá, o governo impõe regras. Já aqui é a Casa da Mãe Joana, ou melhor, do Pai Jair, onde o próprio presidente da República incentiva aglomerações, briga com governadores e prefeitos que tentam impor quarentenas e foi responsável por promover remédios sem eficácia para a doença.
"Mais ridículo do que o pito no chanceler é o motivo da viagem em si", avaliou um diplomata brasileiro à coluna. A comitiva foi tentar fechar acordos sobre medicamentos que ainda estão em fase de testes (como o spray tratado como novo "feijão mágico" por Bolsonaro) e quer entender qual o sucesso da campanha de vacinação de Israel.
Simples, eles têm vacina em quantidade suficiente. Nós, não.
Se Jair Bolsonaro tivesse estabelecido contratos de compras com laboratórios no ano passado, agora poderíamos estar vacinando em ritmo acelerado. Afinal, o Sistema Único de Saúde (SUS) tem capacidade de imunizar mais de dois milhões de brasileiros por dia. Se tiver produto para tanto.
Bolsonaro preferiu atacar o imunizante, dizendo que transformava pessoas em jacarés e promovendo desinformação sobre ele. E, nesta quinta (4), chamou de "idiota" quem pede a compra da vacina. E mandou procurarmos na "casa da [tua] mãe", alegando que não há mais doses disponíveis para vender. Não tem, mas tinha. Ele que não quis comprar.
A questão não é ser conservador ou progressista. O governo de Israel também é conservador e comete atos de violência extrema contra os palestinos. Mesmo assim é exemplo mundial em vacinação.
A questão é se o grupo que está no poder é racional e quer se manter no poder atendendo minimamente o bem estar de seu povo. Ou se prefere lutar para moldar parte da opinião pública à sua imagem e semelhança, espalhando o negacionismo e a política do "mais forte sobrevive", centrando esforços em sua reeleição.
Mas o que é um pito como esse para um governo que não se importa com a humilhação de 10 mil mortos nos últimos sete dias?