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Leonardo Sakamoto

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Cúpula de Biden ocorre no aniversário da 'boiada' de Salles. Vai ter bolo?

Queimada é vista do alto, em meio a área de floresta próximo a capital Porto Velho - Bruno Kelly/Amazônia Real
Queimada é vista do alto, em meio a área de floresta próximo a capital Porto Velho Imagem: Bruno Kelly/Amazônia Real

Colunista do UOL

19/04/2021 15h39

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Quis o destino, esse fanfarrão, que a Cúpula de Líderes sobre o Clima começasse nesta quinta (22), aniversário de um ano da antológica declaração do ministro do Meio Ambiente sobre "ir passando a boiada". Sinal de que a História se repete como farsa ou de que é possível quebrar o círculo do cinismo?

Naquele 22 de abril de 2020, em uma reveladora reunião de gabinete, Ricardo Salles recomendou ao seu chefe aproveitar que a imprensa estava preocupada com os mortos e doentes pela covid-19 para enfraquecer as regras de proteção ambiental.

"Nós temos a possibilidade, nesse momento em que a atenção da imprensa tá voltada quase que exclusivamente pro covid (...), de ir passando a boiada e mudando o regramento", afirmou Salles, como pode ser visto no vídeo divulgado, no dia 22 de maio, após decisão do ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal.

E ele vem conseguindo cumprir o seu objetivo.

A cúpula deve reunir, virtualmente, 40 líderes mundiais para o presidente Joe Biden demonstrar que os Estados Unidos abandonaram o negacionismo de Donald Trump e estão preocupados com o termostato do planeta ajustado na posição "gratinar os idiotas". Biden planeja investir 2,3 trilhões de dólares em infraestrutura e mudanças climáticas.

Jair "Ameaça Biológica" Bolsonaro, vai participar. Quer aproveitar a ocasião para lavar a imagem de genocida que foi bombada pelos seus atos: tanto pelas políticas de terra arrasada na Amazônia quanto pelo suporte que vem dando para que o coronavírus tenha uma existência longa e próspera.

Não que ele se importe com a imagem de pária. Mas porque o potencial de rebosteio em nossa economia é significativo. Menos pelo lento erguimento de barreiras comerciais por países e mais pela rápida retirada de investimentos por parte de fundos e empresas.

Biden deveria garantir um bolo com recheio de jabuticaba para que os líderes globais cantassem parabéns a Bolsonaro por um ano da cínica declaração da "boiada". Até porque, convenhamos, o ministro suja as mãos em nome da visão de mundo do presidente e de uma parte do agronegócio e do extrativismo.

E ele não pode ser chamado de o "Pazuello do Meio Ambiente" porque, reconheçamos, Salles é esperto. A bem da verdade, um dos ministros mais competentes no que faz, o que o torna uma ameaça ainda maior para o futuro do planeta.

Tão competente que a nova meta climática apresentada pelo Brasil junto ao Acordo de Paris permite o país a desmatar uma grande área da Amazônia e ainda estar dentro do compromisso.

"Em 2015, o Brasil disse que uma redução de 37%, em 2025, e 43%, em 2030, era compatível com emissões de 1,3 e 1,2 bilhão de toneladas de CO2, respectivamente. Só que essa conta tinha como base um cálculo de emissões em 2005 de 2,1 bilhões, baseado no segundo inventário nacional de emissões. A meta apresentada, no ano passado, traz a mesma redução percentual, só que as emissões no ano-base foram recalculadas para 2,8 bilhões de toneladas. Como não foi feito ajuste nas metas percentuais, ficamos com limite maior de emissões de 1,76 bi, em 2025, e 1,6 bi, em 2030", afirma Claudio Ângelo, coordenador de comunicação do Observatório do Clima.

Traduzindo: uma pedalada climática.

Como já disse aqui, se Joe Biden ou qualquer líder de um país democrático, acreditar nas palavras de Bolsonaro e liberar recursos para o combate ao desmatamento do jeito em que as coisas estão, estará legitimando a terra arrasada.

Vale lembrar que na abertura da Assembleia Geral das Nações Unidas, de 2020, Bolsonaro culpou "índios" e "caboclos" pelos incêndios na Amazônia, livrando a barra de grileiros e pecuaristas. Mentiu sem nem corar a bochecha.

O mínimo que se espera é que nosso presidente mitômano seja emparedado pelo anfitrião e outros líderes não-terraplanistas, com a exigência de metas decentes e auditáveis de redução no desmatamento. Menos do que isso não será sinal de burrice, mas de que o pragmatismo geopolítico é tão grande que eles topam ajudar a rifar o futuro das próximas gerações e engolir cascatas em troca do cascalho de uns bons negócios.