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Leonardo Sakamoto

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

'Não errei nada': Jair tem razão, sua sabotagem ao combate à covid funciona

Parentes de vítimas em cemitério em Manaus - BBC
Parentes de vítimas em cemitério em Manaus Imagem: BBC

Colunista do UOL

27/04/2021 19h20

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"Eu não errei em nada." Vou ter que concordar com a avaliação de Jair Bolsonaro sobre o seu desempenho diante da pandemia. Claro que não errou. Pelo contrário, fez tudo o que tinha planejado para sabotar o combate à covid-19. Para provar, temos quase 400 mil cadáveres.

O que alguns leem como negligência, omissão, ignorância e incompetência, na verdade, foi ação deliberada, consciente e planejada para contaminar o país.

Desde que o presidente abraçou a tese da imunidade de rebanho, defendida por alguns de seus conselheiros, como o ex-ministro Osmar Terra, ele vem defendendo que o melhor caminho é garantir que o vírus se espalhe o mais rápido possível e conclua seu ciclo naturalmente.

O problema é que a infecção pelo coronavírus tem um efeito colateral indesejado e irreversível: a morte.

Ao decidir qual seria a estratégia diante da doença, Bolsonaro pesou na balança que o número de mortos decorrentes desse efeito colateral da busca burra e insensível pela imunidade de rebanho seria menor que o impacto eleitoral de adotar, em nível nacional, medidas de isolamento social que deprimissem a economia.

Para Bolsonaro, 400 mil óbitos (0,2% da população) pesa menos que 14,3 milhões de desempregados (6,7%).

O que não deixa de ser irônico, uma vez que a sua estratégia tem outro efeito colateral: a prorrogacão da duração da crise. Caso as medidas como quarentenas e lockdowns fossem respeitadas, a segunda onda iria embora mais cedo, como ocorreu em outros países. Mas a sabotagem de Bolsonaro em cima dos esforços do naco racional da sociedade, de empresas, de governadores e de prefeitos faz com que o isolamento não seja perfeito, estendendo a pandemia.

Com uma pandemia mais longa, perdem-se empregos e fecham-se micro e pequenos negócios. Com isso, o Brasil está lascado, como diria o doutorando em economia Gil do Vigor.

Mesmo o atraso na retomada do auxílio emergencial neste ano, que tem cara de sacanagem de Paulo Guedes e de barbeiragem de Jair Bolsonaro é, também, sabotagem.

Claro que a equipe econômica do governo fez de tudo para empurrar com a barriga a prorrogação do benefício, atendendo aos desejos do mercado. Mas Bolsonaro se aproveitou disso. Ele sabe que ninguém vai ficar em casa, protegendo-se da covid, com seus filhos passando fome. Esse atraso manteve os trabalhadores pobres na rua.

Quando a situação ficou insustentável, o auxílio retornou no dia 6 de abril, mas com um valor irrisório. Na primeira onda, ele foi de R$ 600/R$ 1200 por domicílio, o que foi reduzido para R$ 300/R$ 600 quando ela arrefeceu no segundo semestre.

Agora, na segunda onda, mais mortal que a primeira, o valor pago tem sido de R$ 150/R$ 250/R$ 375 por domicílio - o piso é insuficiente para comprar 23% de uma cesta básica em São Paulo, de acordo com o Dieese.

A transferência desses baixos valores, que não garantem que uma família fique em casa com tranquilidade, tem levado o governo a ser acusado de sabotar o isolamento social.

O presidente continua colocando em prática seu plano: promovendo aglomerações, combatendo quarentenas, atacando o uso de máscaras, distribuindo remédios que não funcionam para que as pessoas se sintam seguras de ir às ruas.

A imunidade de rebanho não chegou, mas, além dos 400 mil mortos, a multiplicação alucinada do vírus produziu variantes agressivas por aqui.

A violenta pandemia não é fruto de erro, mas de um projeto. Mas, verdade seja dita, ele não enganou ninguém. Em 2017, em uma entrevista, disse: "sou capitão do Exército, a minha especialidade é matar, não é curar ninguém". Muitos não quiseram ouvir, outros acharam que ganhariam um bom dinheiro com ele.