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Leonardo Sakamoto

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Queiroga opta por proteger o próprio emprego e esquece saúde pública na CPI

Bolsonaro ergue cloroquina para apoiadores                   - Reprodução/Facebook
Bolsonaro ergue cloroquina para apoiadores Imagem: Reprodução/Facebook

Colunista do UOL

06/05/2021 14h52

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Marcelo Queiroga, que substituiu Eduardo Pazuello, que substituiu Nelson Teich, que substituiu Luiz Henrique Mandetta no instável cargo de ministro da Saúde, não respondeu se concorda com a defesa que Jair Bolsonaro faz do uso da cloroquina contra a covid-19. Pressionado por senadores na CPI da Pandemia, nesta quinta (6), preferiu preservar o próprio cargo.

Se respondesse que, com base em evidências científicas, a cloroquina, a ivermectina, entre outros medicamentos da farsa chamada "kit covid", são ineficazes para o tratamento da covid-19 e podem trazer graves eleitos colaterais, ele perderia o emprego. Como o chefe é o principal garoto-propaganda desses produtos, neles apostando para induzir a percepção equivocada de que há uma "tratamento precoce" para a doença, estaria chamando Bolsonaro de orelhudo.

Por outro lado, se dissesse abertamente que acredita que a cloroquina é a saída para a covid-19, concordando com seu antecessor, que mandou para Manaus emissários a fim de espalhar cloroquina enquanto a cidade sufocava por falta de oxigênio hospitalar, perderia qualquer moral junto a médicos e cientistas sérios. E, como todos sabem, ninguém fica ministro para sempre. A ressaca do dia seguinte seria brava.

O problema é que tentar um caminho do meio, justificando-se em estudos observacionais que não são amparados pela maioria da comunidade científica, não significa uma posição sensata. Ao evitar declarar que o uso da cloroquina como tratamento preventivo é uma enganação prejudicial à saúde devido ao apego que demonstra ter ao cargo, ele se coloca ao lado dos terraplanistas biológicos que abundam no governo.

Esse silêncio é cúmplice quando há uma montanha de 414 mil mortos, o risco real de uma terceira onda de contaminações e uma galera que acredita que o remédio, usado no tratamento de malária e lúpus, é o Santo Graal da medicina.

Emparedado pelo acordo que o governador de São Paulo, João Doria, fechou com o laboratório chinês Sinovac para que a CoronaVac fosse produzida no Instituto Butantan, e pelo fato de ele não ter comprado vacinas em quantidade suficiente quando lhes foram ofertadas, Jair Bolsonaro aceitou a contragosto a narrativa de vacinação já faz algum tempo. Não que concorde, mas isso é outra história.

Com isso, Queiroga pode começar a sua participação na CPI defendendo a imunização como uma pessoa sensata. Também incentivou o distanciamento social e criticou aglomerações. E, em uma pergunta do senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), chegou até a deixar escapar que concordava com a autonomia dos Estados em realizar lockdown, o que causa arrepios no presidente.

Evitou, contudo, opinar sobre a ameaça de Bolsonaro de abrir a economia dos Estados à força (como ele faria isso com o Exército, não faço ideia). E não quis fazer avaliação da gestão Pazuello, salvando a pele do general fujão, que inventou doença para não ir à CPI nesta quarta.

A cloroquina estava no centro das atenções nos últimos dois dias da comissão. A ampliação de seu uso, como política pública, foi a gota d'água para Teich sair do ministério. E Mandetta disse que não concordava com o uso do produto para tratamento precoce, preconizado por Bolsonaro, presidente com doutorado em infectologia pela Universidade do WhatsApp.

O comportamento do atual ministro mostra que ele tem consciência de que o uso do kit covid é uma bobagem. Caso contrário, cravaria uma ode à cloroquina quanto questionado - há bolsonaristas-raiz que colocariam cloroquina na caipirinha se pudessem. E demonstra que, sendo médico, sabe do que está falando, ao contrário do "especialista em logística", último a esquentar aquela cadeira. Mas não teve coragem o bastante para descer do muro e assumir uma posição científica em nome da saúde pública.

E, neste momento, o Brasil precisa de pessoas com coragem para defender a vida e nomear o que causa a morte. Dada a campanha a favor de remédios inúteis que Bolsonaro levou a cabo no último ano para empurrar as pessoas às ruas dentro da estratégia de imunidade de rebanho, faz-se necessário alguém que diga "pera lá, isso não" e não "veja bem" ou "sim, chefinho".

Afinal, ministro é para assessorar o presidente no sentido do bem público e não para fazer valer os interesses pessoais do chefe da nação.