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Leonardo Sakamoto

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Impunidade de Pazuello dará a Bolsonaro 'Meu Exército' e 'Minha Polícia'

Colunista do UOL

02/06/2021 09h05

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O futuro do general Eduardo Pazuello, que discursou em manifestação política de apoio a Jair Bolsonaro, no Rio de Janeiro, afrontando as regras militares, é visto como fundamental para frear a insubordinação de policiais junto aos governos estaduais. A impunidade do ex-ministro da Saúde será vista como sinalização de que agentes de segurança podem colocar o bolsonarismo acima do respeito à lei sem medo, pois o presidente da República garante.

A partir daí, Jair, que repete incansavelmente a expressão "Meu Exército", como se as Forças Armadas estivessem à sua disposição para necessidades pessoais, também poderá usar "Minha Polícia" sem medo de errar, acelerando um processo de sequestro das instituições policiais que pode explodir nas eleições do ano que vem.

Os atos recentes de violência explícita, com policiais em Pernambuco cegando pessoas durante um protesto contra Bolsonaro e um tenente da PM de Goiás prendendo um professor com base na Lei de Segurança Nacional por ter chamado o presidente de genocida são apenas o aperitivo.

Nada se compara ao que vai acontecer se o Comando do Exército der a sinalização de que as regras da corporação, que proíbem ações como a de Pazuello, não se aplicam quando o envolvido for Jair Bolsonaro. A avaliação foi dada à coluna por três militares de alta patente em conversa reservada.

Se os generais colocarem o rabo entre as pernas com medo de mais instabilidade na relação com o presidente, verão a insubordinação "crescer no terreno do vizinho", como disse um dos ouvidos. Podem conseguir contornar a situação entre suas tropas, mas o mesmo não será possível junto às forças policiais.

Entre praças, 12% defendiam o fechamento do Congresso

A aderência do bolsonarismo entre soldados, cabos, sargentos e subtenentes nos quarteis da PM é significativa em todo o país, mais até do que nas Forças Armadas. Tanto que o presidente tem nesse grupo uma das bases de seu eleitorado. Não à toa, defende com unhas e dentes a aprovação do excludente de ilicitude, sempre que pode, está presente em formaturas de policiais e até já defendeu policiais milicianos no Rio de Janeiro.

Uma pesquisa divulgada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em agosto passado, apontou que 41% dos praças da PM participavam de grupos bolsonaristas nas redes e aplicativos de mensagens, 25% defendiam ideias radicais e 12% defendiam o fechamento do Supremo Tribunal Federal e do Congresso.

Para transformar essa influência simbólica em controle objetivo, parlamentares aliados do presidente empurram propostas para restringir o poder dos governadores sobre. Preveem mandato para os comandantes-gerais da PM, com escolha a partir de lista tríplice oferecidas pelos oficiais. E querem facilitar a requisição de policiais pelo governo federal.

A pandemia de covid-19 viu fortalecer o federalismo, com parte dos governadores barrando a omissão e a irresponsabilidade do presidente no enfrentamento da crise sanitária. Isso irritou Bolsonaro, que bravateia contra Estados que adotarem lockdown com a força do "meu Exército".

Lideranças bolsonaristas insuflam forças policiais nos Estados, como foi visto no motim de agentes da PM no Ceará, em fevereiro do ano passado, e no caso do policial que entrou em surto psicótico e atirou nos próprios colegas antes de ser morto em Salvador (BA). A tragédia, ocorrida no dia 28 de março, foi usada por deputados e policiais bolsonaristas para tentar incitar um motim contra o governo estadual.

Alvo do "Meu Exército" e da "Minha Polícia" são as eleições

Como recado ao comandante do Exército, Paulo Sérgio de Oliveira, Bolsonaro vem demonstrando apoio público a Pazuello. No último lance, entregou a ele uma função importante dentro do Palácio do Planalto, a de secretário de Estudos Estratégicos, por mais que o ex-ministro da Saúde tenha demonstrado, no combate à covid, que estratégia não é seu forte. O salário será de R$ 16.944,90.

Há militares que temem que Bolsonaro revogue uma punição e, com isso, defendem algo mais leve. A autocensura decorrente desse temor passa a imagem de que o presidente realmente já tem um Exército.

Imaginem o que pode acontecer se um presidente com grande influência sobre tropas policiais e um Exército sem coluna vertebral resolver afirmar, após uma derrota em 2022, que a eleição foi roubada.

Ele pode ter sucesso naquilo que Donald Trump falhou, com sua invasão ao Congresso norte-americano. Não se trata de intervenção tradicional, mas de levantes policiais "contra a fraude" e em nome da "legalidade". Com Bolsonaro entregando à sociedade a possibilidade de comprar arsenais com decretos e portarias, a banda podre da polícia, as milícias, e o bolsonarismo-raiz estarão bem preparados.

O bolsonarismo tem um componente revolucionário. Mas ele não conta, neste momento, com força para adotar uma mudança através de um processo violento e agudo. Por isso, desde que assumiu o poder, vem minando ou sequestrando instituições, tornando-as flexíveis às suas necessidades de acúmulo e de manutenção do poder. Receita Federal, Coaf, Polícia Federal, Procuradoria-Geral da República.

A ditadura é revivida não apenas quando inconsequentes - que usam sua liberdade de expressão contra a liberdade de expressão alheia - vão às ruas pedir "intervenção militar constitucional", vulgo, golpe, ou quando o governo tentar calar comunicadores e jornalistas. Mas também quando cidadãos, normalmente pobres, sofrem violência pelas mãos do Estado ou de pessoas treinadas por ele a fim de garantir a ordem (nas periferias das grandes cidades) e o progresso (no campo).

Policiais, é importante reconhecer, são sistematicamente maltratados, com baixa remuneração e falta de condições de trabalho por uma sociedade que não se importa se eles vivem ou morrem. A esquerda, com raras exceções, falhou por não ouvir os policiais para a construção de um projeto de segurança pública cujo foco seja a população.

Enquanto isso, Bolsonaro tornou-se deputado representando os interesses trabalhistas dos praças militares e policiais e com eles manteve uma relação duradoura. Muitos matariam pelo capitão.

O campo democrático se preocupa, com justiça, com as Forças Armadas. Mas se esquece que aquelas Forças Armadas têm herdeiros que estão muito mais próximos do presidente do que a cúpula militar. E são esses herdeiros que controlam a vida e a morte hoje no país.