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Leonardo Sakamoto

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Lobby do 04 reforça que clã Bolsonaro trata a coisa pública como a privada

Jair Bolsonaro e o filho Jair Renan Bolsonaro - Evaristo Sá / AFP
Jair Bolsonaro e o filho Jair Renan Bolsonaro Imagem: Evaristo Sá / AFP

Colunista do UOL

07/07/2021 00h19

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O ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, confirmou, nesta terça (6), que recebeu Jair Renan, filho do presidente da República, e representantes de uma empresa em audiência. Detalhe: o encontro foi solicitado pelo gabinete do papai após intermediação do rebento 04.

Realizado em novembro de 2020, a reunião havia sido trazida a público pela Veja. Segundo a revista, a tal empresa, Gramazini Granitos e Mármores, patrocina a Bolsonaro Jr Eventos e Mídia, de Jair Renan. Ao contrário dos irmãos Flávio, Carlos e Eduardo, ele ainda não entrou para a política.

O ministro disse à Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara dos Deputados que a empresa queria falar sobre uma "inovação tecnológica" na área habitacional - a pasta é responsável pelo Casa Verde e Amarela, sucessor do Minha Casa, Minha Vida. Disse que não conhecia Jair Renan e que não se constrangeu com a presença dele uma vez que "entrou calado e saiu calado".

Como se precisasse dizer qualquer coisa. Uma empresa conseguiu acesso privilegiado a um ministro através de um sobrenome. E um sobrenome sentou-se no gabinete do ministro, com todo o seu peso.

Um empreiteiro honesto e morador da periferia da capital paulista, que tenha excelentes ideias para economizar na reciclagem de materiais de construção, teria a mesma facilidade de acesso à sala ministro? Ahã.

Na época da matéria da Veja, bolsonaristas que tanto reclamaram das relações entre o empreendimento de um dos filhos de Lula com corporações que tinham interesses nas gestões petistas, responderam diante da notícia do 04: "E o PT?" Considerando que o Partido dos Trabalhadores e o ex-presidente e sua família já foram longamente criticados por isso, inclusive com ações na Justiça, a pergunta agora é outra: "E o Jair Messias?"

O clã Bolsonaro nunca compreendeu a necessária separação entre cargos públicos e interesses privados. Não são os únicos políticos ao adotarem esse comportamento, mas insistem nele com frequência. Isso faz com que a ação de Jair Renan seja entendida não como um deplorável desvio pontual, mas como mais uma evidência de um problema estrutural, que começa na família e se esparrama pela República.

Evidências de que o problema é crônico não faltam. Nesta segunda (5), reportagem de Juliana Dal Piva, no UOL, divulgou gravações indicando que o presidente desviava salários de servidores de seu gabinete quando era deputado federal, as chamadas "rachadinhas". E tudo aponta para o fato de que ele era o patriarca do esquema das rachadinhas nos mandatos dos outros filhos.

Ele também recebeu auxílio moradia tendo imóvel próprio, em Brasília, quando era deputado federal. Deu carona para familiares em helicóptero das Forças Armadas no casamento de um dos filhos já como presidente. Abusou do nepotismo ao tentar indicar um dos filhos para embaixador nos Estados Unidos. E diante das críticas sobre isso, afirmou em 18 de julho de 2019: "Pretendo beneficiar um filho meu, sim. Pretendo, está certo. Se puder dar um filé mignon ao meu filho, eu dou."

Enquanto isso, tem sido visto comendo instituições de fiscalização da República, como a Receita Federal, o Coaf, a Polícia Federal e a Procuradoria-Geral da República em nome de seu projeto de poder e do bem-estar de sua família.

Na icônica reunião ministerial de 22 de abril de 2020, cujo vídeo foi divulgado por decisão do Supremo Tribunal Federal após ter sido apontado pelo ex-ministro Sergio Moro como prova da interferência de Bolsonaro na PF, disse o presidente: "eu não vou esperar foder minha família toda de sacanagem, ou amigo meu, porque eu não posso trocar alguém da segurança na ponta da linha que pertence à estrutura. Vai trocar. Se não puder trocar, troca o chefe dele. Não pode trocar o chefe, troca o ministro. E ponto final. Não estamos aqui para brincadeira". Ele tratava de indicações para o órgão no Rio de Janeiro.

Para um presidente que defendeu a "meritocracia" para que pobres acessassem benefícios sociais, é bastante constrangedor ver que, no caso de sua família, a meritocracia não se dá através de conquistas derivadas do esforço pessoal, mas do sobrenome. Para o clã Bolsonaro, a meritocracia é hereditária.

E as instituições da República, o seu playground.