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Missão no Haiti foi celeiro de militares para o ministério de Bolsonaro
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O Haiti retornou de forma triste às manchetes do mundo, nesta quarta (7), após o seu presidente, Jovenel Moise, ser assassinado em sua residência. Ele estava governando por decretos em meio a uma disputa sobre o término de seu mandato - a oposição afirma que ele permanecia ilegalmente no poder.
O país, o mais pobre do continente americano, vive uma sequência interminável de crises humanitárias causadas por golpes, disputas políticas e catástrofes naturais - como o terremoto que matou mais de 220 mil e deslocou um milhão de pessoas em 2010.
Nomes que fazem ou fizeram parte da cúpula do governo Jair Bolsonaro atuaram na Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti (Minustah), que durou entre 2004 e 2017, tendo o Brasil no comando. A missão não conseguiu cumprir seu objetivo e militares brasileiros são acusados de violência desmedida contra a população.
O primeiro coordenador da missão (entre 2004 e 2005) foi o general Augusto Heleno, hoje ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, um dos assessores mais próximos e fiéis do presidente. Sob o seu comando, soldados da missão realizaram a operação "Punho de Ferro" na comunidade pobre de Cité Soleil, na capital Porto Príncipe, em julho de 2005, em busca de um líder de gangue. Investigações apontam que mais de 22 mil tiros foram disparados na ação.
Heleno considerou que a busca foi um sucesso, mas organizações de direitos humanos avaliam o caso como um massacre, com dezenas de civis mortos (algumas versões apontam mais de 60) no fogo cruzado, o que o general nega. Na época, isso gerou embaraço ao governo do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
O Haiti teria servido como laboratório para a ação de militares em favelas do Rio de Janeiro.
A proximidade com o presidente é tanta que o general Heleno chegou a ameaçar o Supremo Tribunal Federal após decisão do então ministro Celso de Mello, que encaminhou para a análise da Procuradoria-Geral da República um pedido de apreensão dos celulares de Jair e do vereador Carlos Bolsonaro feito por parlamentares que pediam a investigação de práticas criminosas. Heleno afirmou que isso traria "consequências imprevisíveis para a estabilidade nacional".
O hoje ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, frequentemente elogiado por Bolsonaro, é engenheiro militar e oficial do Exército, tendo ocupado o posto de chefe da seção técnica da Companhia Brasileira de Engenharia da Força de Paz entre 2005 e 2006.
O general Carlos Alberto Santos Cruz, que foi ministro-chefe da Secretaria de Governo da Presidência, também chefiou a Minustah, de 2007 a 2009. Sua saída ocorreu após ele se tornar alvo da artilharia da ala de extrema direita do governo, ganhando inimigos como o astrólogo Olavo de Carvalho e o vereador Carlos Bolsonaro. Após deixar o governo, Santos Cruz tornou-se um dos militares mais críticos a Jair.
Já o general Floriano Peixoto, que coordenou a missão entre 2009 e 2010, foi ministro-Chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República e, hoje, preside os Correios - empresa pública que o governo Bolsonaro quer privatizar.
Entre 2011 e 2013, o general Luiz Eduardo Ramos esteve à frente da força de paz. Amigo próximo de Bolsonaro há mais de 40 anos, ele ocupou o cargo de ministro-chefe da Secretaria de Governo, com a saída de Santos Cruz. E com o deslocamento de Braga Netto para a Defesa, ele se tornou ministro-chefe da Casa Civil.
O general Edson Pujol, que coordenou a presença brasileira no Haiti entre 2013 e 2014, foi comandante do Exército até abril deste ano. Bolsonaro cobrava dele e do então ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, demonstrações públicas de apoio das Forças Armadas ao seu governo. O presidente acabou decidindo trocar o ministro pelo general Braga Netto e os comandantes do Exército, Marinha e Aeronáutica deixaram o cargo. A crise é considerada uma das mais graves envolvendo militares desde a ditadura.
Detalhe é que Azevedo e Silva também atuou no Haiti, como chefe de operações do 2º contingente brasileiro da missão entre 2004 e 2005.
O general Otávio Rêgo Barros, que foi porta-voz da Presidência da República, entre 2019 e 2020, também fez parte da Minustah como comandante do 1º Batalhão de Infantaria da Força de Paz. Após deixar o governo, também se tornou crítico do presidente, tendo publicador um artigo em que compara Bolsonaro a um "imperador imortal" e disse que o poder "inebria, corrompe e destrói".
Por fim, o coronel José Arnon dos Santos Guerra atuou no governo na Secretaria Nacional de Segurança Pública. E o coronel Freibergue Rubem do Nascimento, que foi secretário interino de Segurança Pública, é, hoje, coordenador-geral de implementação do modelo de escolas cívico-militares no Ministério da Educação. Ambos participaram da Missão de Paz.