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Leonardo Sakamoto

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Há 89 mil razões para investigar citação de Dominghetti sobre primeira-dama

Renato Costa/FramePhoto/Estadão Conteúdo
Imagem: Renato Costa/FramePhoto/Estadão Conteúdo

Colunista do UOL

12/07/2021 21h13

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"Michele está no circuito agora. Junto ao reverendo. Misericórdia."

A primeira-dama Michelle Bolsonaro foi citada em uma conversa entre o cabo da PM Luiz Paulo Dominghetti, representante de vacinas da Davati, aquela empresa que tentou vender 400 milhões de doses de AstraZeneca para o Brasil (doses que eles iam tirar não se sabe da onde), e uma pessoa identificada como "Rafael Compra Deskartpak", no dia 3 de março.

"Quem é? Michelle Bolsonaro?", questiona o interlocutor. "Esposa sim", responde o cabo da PM e roleiro de vacina.

A troca de mensagens estava no celular de Dominghetti, apreendido pela CPI da Covid, e foi revelada em reportagem de Gustavo Maia, da revista Veja, nesta segunda (12). O que significa que ela "está no circuito" dependerá de investigação por parte da comissão.

Esta é a segunda vez em menos de um ano em que a primeira-dama tem o nome citado em meio a um escândalo. Em agosto do ano passado, soubemos que o operador das rachadinhas da família Bolsonaro, Fabrício Queiroz, depositou R$ 89 mil em sua conta.

A aproximação de Dominghetti com a primeira-família teria sido feita pelo reverendo Amilton Gomes de Paula - fundador da Secretaria Nacional de Assuntos Humanitários, uma entidade privada. O religioso teve aval do Ministério da Saúde para ajudar na negociação da vacina por um preço três vezes maior do que havia sido pago em uma compra anterior pelo governo federal, como revelado pela TV Globo.

Com depoimento previsto para esta quarta (14), na CPI, Gomes de Paula apresentou um atestado médico e não deve comparecer.

"O reverendo chegou na Presidência da República. Roberto Dias é segundo plano", completou Dominghetti, em áudio, na conversa, segundo a Veja.

Dias era diretor de Logística do ministério, que caiu após o cabo da PM afirmar em entrevista à Folha de S.Paulo que ele havia pedido um dólar por dose de propina para que o contrato fosse fechado com o governo em um jantar em um shopping de Brasília no dia 25 de fevereiro.

'Entendo que prevaricação se aplica a servidor público, não a mim', diz Bolsonaro

A primeira-dama é o terceiro membro do clã Bolsonaro com o nome citado em meio ao bafafá sobre a compra de vacinas.

O senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ) intermediou uma reunião entre Francisco Maximiniano, dono da Precisa Medicamentos, com o presidente do BNDES, Gustavo Montezano em outubro de 2020. Flávio diz que o encontro não tratou de imunizantes.

A Precisa é a representante do laboratório indiano que produz a Covaxin. A venda dessa vacina para o Brasil está sob investigação da CPI da Covid e do Ministério Público Federal por suspeita de superfaturamento.

Denúncias sobre pressões indevidas para que o contrato fosse fechado rapidamente e que o valor pago a um terceiro antes do recebimento do imunizante, o que não é a praxe, foram levadas pelo deputado Luís Miranda (DEM-DF) e seu irmão, Luís Ricardo Miranda, servidor do Ministério da Saúde, ao presidente Jair Bolsonaro.

Ele teria, segundo o deputado, dito que isso era coisa de Ricardo Barros (PP-PR), líder de seu governo na Câmara e responsável por indicações no ministério. Prometeu levar o caso à Polícia Federal - coisa que nunca aconteceu.

Após Bolsonaro ser acusado pelos senadores da CPI de ter prevaricado, ou seja, feito a egípcia diante da denúncia, o governo afirmou que o caso foi levado ao Ministério da Saúde. Mas não há registros de que uma investigação séria tenha ocorrido. Um inquérito foi aberto pela Procuradoria-Geral da República, após uma notícia-crime apresentada por senadores, acompanhada de cobrança por parte do STF.

"Entendo que prevaricação se aplica a servidor público, não a mim. Mas eu tomei providência. Falei com o Pazuello. Passei pra frente os papéis que ele [Miranda] deixou lá", afirmou Bolsonaro, nesta segunda (12), com medo de ser surpreendido com uma gravação da conversa com o deputado.

R$ 89 mil em cheques depositados por Fabrício Queiroz

Uma quebra de sigilo bancário de Fabrício Queiroz mostrou que ele depositou R$ 72 mil na conta de Michelle Bolsonaro entre 2011 e 2018, conforme revelou a revista Crusoé. Sua esposa, Márcia de Aguiar, colocou mais R$ 17 mil - informação obtida pela Folha de S.Paulo. No total, R$ 89 mil. A revelação veio a público em agosto de 2020.

De acordo com o Ministério Público do Rio de Janeiro, o ex-assessor de Flávio Bolsonaro era o operador do desvio de recursos públicos do gabinete do então deputado estadual e, hoje, senador. O Coaf havia apontado, em 2018, um depósito de R$ 24 mil de Queiroz para Michelle. Jair prontamente disse, naquele ano, que isso era parte da devolução de um empréstimo de R$ 40 mil que ele fez ao amigo de longa data. Porém, nunca comprovou nada.

Questionado, no dia 23 de agosto, por um repórter do jornal O Globo sobre os depósitos, o presidente da República afirmou: "Minha vontade é encher tua boca com uma porrada". Logo depois, chamou o jornalista de "safado".

No dia 5 de julho, o STF garantiu maioria para arquivar uma notícia-crime sobre o recebimento de cheques por Michelle Bolsonaro. Em seu parecer, a Procuradoria-Geral da República disse que não havia informações de que o caso teria envolveria o presidente da República e, por isso, o caso não cabia ao STF.