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Leonardo Sakamoto

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Prevent Senior e Bolsonaro usaram brasileiros como cobaias de cloroquina

Colunista do UOL

16/09/2021 13h25

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Pacientes do plano de saúde Prevent Senior serviram de cobaias para medicamentos sem eficácia no tratamento da covid-19, o que contribuiu para a narrativa bolsonarista de que a cloroquina é a solução para a pandemia. A denúncia vem de um dossiê de médicos e ex-médicos da empresa enviado à CPI e foi divulgada, nesta quinta (16), por Guilherme Balza, da GloboNews. Houve, inclusive, a recomendação de que nem pacientes, nem seus familiares fossem informados do uso do produto.

Nove pacientes morreram durante um estudo conduzido pelo plano de saúde - seis haviam tomado hidroxicloroquina, dois não e não havia informação sobre um caso. Mas seus autores só mencionaram dois óbitos que não estavam relacionadas à covid ou ao medicamento. Ou seja, as mortes teriam sido escondidas para manipular os resultados.

Enquanto o caso ia a público, o diretor-executivo da operadora, Pedro Benedito Batista Júnior, deu um cambau em seu depoimento à Comissão Parlamentar de Inquérito, que estava agendado para hoje no Senado Federal. Em nota, a empresa repudiou as denúncias e disse que elas têm tentado desgastar de forma anônima a sua imagem usando para isso os meios de comunicação e a própria comissão.

Não é a primeira vez que os brasileiros veem uma denúncia de terem sido usados para testar os efeitos do chamado "kit covid" (um grupo de medicamentos ineficazes para a doença) sem a sua anuência. Em mais de uma ocasião, o presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), reclamou que o povo de Manaus foi "feito de cobaia" pelo governo Bolsonaro por conta do TrateCov.

Inaugurado na capital amazonense, o aplicativo receitava hidroxicloroquina diante de sintomas genéricos de gripe, tanto para adultos quanto para crianças. No relatório final da CPI, o governo federal deve ser responsabilizado por ter tentado empurrar remédios sem eficácia aos manauaras para testar a efetividade do tratamento ao invés de garantir o suprimento de oxigênio em janeiro deste ano. Como consequência, muitos morreram sufocados.

'Não informar o paciente'

"Iremos iniciar o protocolo de HIDROXICLOROQUINA + AZITROMICINA. Por favor, NÃO INFORMAR O PACIENTE ou FAMILIAR, (sic) sobre a medicação e nem sobre o programa", disse o diretor da Prevent Senior, Fernando Oikawa, em grupos de mensagens, de acordo com a denúncia.

Se a pesquisa foi manipulada para atestar a eficácia do kit covid, ela beneficiou diretamente o governo federal, uma vez que o presidente tem sido o principal garoto-propaganda de remédios sem eficácia para a doença. Bolsonaro, que apoiava a atuação da Prevent Senior na pandemia, usou os dados em suas redes sociais para convencer a população a usar o produto.

A Prevent Senior já era investigada pelo Ministério Público por empurrar kit covid para os pacientes com ou sem a doença. E mesmo após o Ministério da Saúde dizer que os produtos não tinham efeito, a empresa continuou receitando-os. Quanto ganhou o plano de saúde com isso e quais os danos para a saúde dos seus clientes são dúvidas em aberto. Certeza mesmo é que a empresa vai receber uma enxurrada de processos diante dessas acusações.

Senadores governistas na CPI da Covid tentam, desde o início dos trabalhos, vender a tese de que negacionismo é, na verdade, negar a eficácia da cloroquina, hidroxicloroquina, ivermectina e azitromicina no tratamento da doença, apesar de serem comprovadamente inúteis para esse fim.

Esses medicamentos vêm sendo promovidos por Jair Bolsonaro, médico com especialização em infectologia pela Universidade do WhatsApp. O "doutor" não se importa se brasileiros vivam ou morram com sua receita, apenas se eles voltarão às ruas enganados pela promessa do tratamento precoce, barato e rápido. Para ele, vidas são um detalhe na longa estrada de sua reeleição.

Bolsonaro ajudou empresas de saúde a faturar com remédios ineficazes

A Prevent Senior também não seria o primeiro caso de empresa que ganhou dinheiro com o caos. Outro exemplo foi o salto no faturamento da Vitamedic com a venda de ivermectina: de R$ 15,7 milhões, em 2019, para quase R$ 470 milhões no ano passado. Se foi um trabalho voluntário ou não do presidente a promoção desse produto, é a CPI da Covid quem deve investigar.

O laboratório admitiu que não fez estudos para atestar a eficácia do produto (originalmente contra sarna, vermes e piolhos) contra a covid, mas, mesmo assim, gastou R$ 717 mil em anúncios que defendiam a mentira de que tratamento precoce com ivermectina funciona.

Em depoimento à CPI da Covid, no dia 11 de agosto, Jailton Barbosa, diretor da empresa, reconheceu aumento de 60% no preço do medicamento. Credita a elevação à variação no dólar e ao crescimento de custos internos relacionados à pandemia. E afirmou que não vendeu o produto ao Ministério da Saúde, mas despejou diretamente nas prefeituras.

No final, mesmo com as desculpas, ficou claro que a Vitamedic sabia estar lucrando em cima de um naco da população que acredita que o remédio evita mortes. Essa crença levou muita gente a procurar atendimento médico só quando era tarde demais.

Atribui-se a Joseph Goebbels, ministro da Propaganda na Alemanha nazista, a ideia de que uma mentira repetida várias vezes se torna verdade. Ou, como dizem os psicólogos, uma ilusão da verdade. A ilusão é tanto eficaz quanto a propensão de grupos de nela acreditarem. E, claro, da capacidade de difusão de quem a conta. Propagada por um presidente da República, a mentira pode se tornar onipresente.

A sabotagem do governo Bolsonaro nas medidas de combate à doença (ridicularizando vacinas, atacando isolamento social e, claro, promovendo a fraude do kit covid) permitiu que muita gente faturasse um bom cascalho. Em outras palavras, que fizesse da morte em massa um bom negócio.