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Leonardo Sakamoto

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Bolsonaro se nega a exigir vacina de viajante por cálculo eleitoral mórbido

Eric Gaillard/Reuters
Imagem: Eric Gaillard/Reuters

Colunista do UOL

06/12/2021 19h31

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É um tanto quanto humilhante o presidente da República ser pressionado pela Suprema Corte para que comece a exigir certificado de vacinação de pessoas que viajarem ao país a fim de proteger seu próprio povo. Mas humilhação internacional tornou-se o novo normal por aqui desde janeiro de 2019.

O ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso deu 48 horas para o governo federal explicar o que vem fazendo a fim de dificultar a entrada do coronavírus pelos viajantes. A decisão vem em resposta a uma ação da Rede que exigiu a cobrança do certificado de vacinação.

Para viajar aos Estados Unidos, por exemplo, a pessoa tem que apresentar um teste negativo de covid-19 e o comprovante de vacinação. Para voar ao Brasil, basta um teste e preencher um questionário dizendo que está tudo OK.

Em nome de uma cruzada pela "liberdade individual de não se vacinar" e, consequentemente, "pelo direito de continuar infectando outras pessoas", Jair Bolsonaro se nega a cumprir a recomendação da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e exigir o certificado de vacinação de quem entra no Brasil.

Da mesma forma, ele tem feito o que pode para impedir a exigência de vacinação em locais de lazer e de trabalho, como já ocorre em outros países. Por exemplo, tentou proibir a demissão e a não-contratação de trabalhadores que não comprovassem terem se vacinado contra a covid-19 através de portaria assinada pelo ministro do Trabalho, Onyx Lorenzoni.

Como ela batia de frente com leis trabalhistas e sanitárias e com a Constituição Federal, além de ir na contramão de decisões do Supremo Tribunal Federal sobre saúde coletiva e de avaliações do Tribunal Superior do Trabalho sobre a garantia de um meio ambiente de trabalho seguro, foi podada pelo STF.

Exigir vacinação não significa que pessoas podem ser obrigadas, à força, a se imunizar, como na Revolta da Vacina, no início do século 20. Mas que ações indiretas podem ser tomadas, proibindo o acesso a lugares de quem nega a imunização. Isso protege a vida da coletividade. A liberdade individual é um direito, mas não pode ser usada como arma contra os direitos de outras pessoas.

Bolsonaro sabe que quanto mais distorcer a compreensão de direitos e deveres e de riscos à saúde pública, mais irá gerar admiração entre a turma do "cada um por si e Deus acima de todos". E que quanto mais agredir a ciência, mais provocará suspiros entre os seus seguidores negacionistas. Isso atua no fortalecimento de sua relação com seus seguidores, que serão fundamentais para a guerra da campanha do ano que vem.

A Anvisa recomendou, no último dia 25, que o governo federal exija certificado de vacinação contra covid-19 para liberar a entrada de estrangeiros no Brasil, mas o desejo do presidente tem sido simplesmente abrir as fronteiras. Se for feita a sua vontade, vai garantir livre acesso de novas mutações do coronavírus à nossa população.

A "inércia", termo usado pelo ministro Barroso em sua decisão para criticar a demora do governo em revisar suas regras, não surge por incompetência, mas por método. Bolsonaro não faz nada porque não quer fazer.

Como já disse aqui, para além de alegrar os eleitores, ele acredita que não pode abandonar sem uma boa desculpa a sua narrativa de negacionismo e sua prática de sabotagem, pois isso seria um reconhecimento de que tudo o que fez e deixou de fazer até agora levou à morte, à fome e ao desemprego.

Se ele não voltou atrás no momento em que mais de 4 mil morriam todos os dias, não seria agora que assinaria o que acredita ser o seu atestado de culpa.