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Leonardo Sakamoto

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Com fatiamento da PEC do Calote, Senado agiu como 'puxadinho' da Câmara

8.fev.2021 - Os presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado, Arthur Lira (Progressistas-AL) e Rodrigo Pacheco (DEM-MG) - Dida Sampaio/Estadão Conteúdo
8.fev.2021 - Os presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado, Arthur Lira (Progressistas-AL) e Rodrigo Pacheco (DEM-MG) Imagem: Dida Sampaio/Estadão Conteúdo

Colunista do UOL

08/12/2021 20h29

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Não foi por falta de aviso. Quando a PEC do Calote, quer dizer, dos Precatórios, foi para análise do Senado após aprovada pela Câmara, muita gente antecipou que era grande o risco de que as mudanças feitas pelos senadores fossem ignoradas. Acabou sendo promulgada, nesta quarta (8), apenas a fatia em que havia concordância das duas casas. Ou seja, passou aquilo que os deputados federais quiseram que passasse. A segunda fatia ainda será analisada e a Câmara pode retirar as mudanças dos senadores.

Uma das principais alterações feitas pelo Senado que ficou de fora foi a vinculação dos mais de R$ 110 bilhões que devem ser obtidos com todas as fatias da PEC a gastos sociais e previdenciários. Há chance desse dispositivo ser deixado de lado, o que abre caminho para que o presidente tenha mais liberdade para gastar esse dinheiro e que parlamentares tenham mais recursos para emendas no ano em que tentarão a reeleição.

Se não houvesse o fatiamento, a vinculação aos gastos sociais e previdenciários, proposta pelo Senado, seria a condição para que a PEC fosse aprovada nas duas casas. Mas o fatiamento ocorreu, torturando o regimento interno do Congresso.

Após ser desmembrada em um acordo costurado entre os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), a primeira fatia da PEC do Calote foi promulgada sem a parte do calote, só com a mudança de cálculo oportunista da regra do teto de gastos públicos. Com isso, Bolsonaro já pode contar com R$ 62 bilhões a mais.

Agora, a fatia que ficou de fora, que inclui o adiamento no pagamento das dívidas públicas, inclusive com aposentados, e representa outros R$ 48 bilhões, pode passar sem a vinculação a gastos sociais e previdenciários, entre outras alterações dos senadores que melhoraram o texto dos deputados.

Se essa segunda parte acabar travada em uma briga entre Câmara e Senado, Bolsonaro terá recursos para os R$ 400 do Auxílio Brasil, mas não para outras despesas. Mas como a não-vinculação de gastos interessa ao centrão como preparação para o ano eleitoral, a segunda fatia pode ser aprovada sem o mecanismo. A menos que os senadores que se sentiram enganados, e que se manifestaram no momento de promulgação da PEC, nesta quarta, gerando um momento constrangedor no Congresso, consigam se articular.

Buscar recursos para ajudar uma população vulnerável que está caçando comida no lixo é tão fundamental que não deveria estar a cargo de uma pessoa como Jair Bolsonaro. Mas, infelizmente, está. E, tragicamente, a fome no Brasil foi usada como justificativa para um cambalacho nas contas públicas a fim de garantir recursos para a reeleição do presidente e de seus parlamentares aliados. Não era necessário um calote nas contas públicas para garantir os R$ 400, mas era necessário o calote para garantir mais recursos visando à reeleição.

Em 2017, o Senado Federal também abriu mão de seu papel de câmara revisora deixando passar a Reforma Trabalhista sem as mudanças propostas pelos senadores, apenas com o conteúdo que já havia sido aprovado pela Câmara, sob a justificativa de que o país tinha pressa para crescer economicamente.

Como consequência, houve muito ranger de dentes porque não foi honrado o compromisso de que as propostas dos senadores seriam aprovadas em forma de nova lei logo na sequência. E a Reforma Trabalhista, que tramitou sob a justificativa de que faria leite e mel correr no meio fio das cidades brasileiras, ficou numa vazia promessa.