Topo

Leonardo Sakamoto

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Se Lula não criticar a Reforma Trabalhista, melhor trazer Temer de volta

Colunista do UOL

10/01/2022 17h43

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Durante o trâmite da Reforma Trabalhista, o governo Michel Temer, sua base no Congresso Nacional e associações empresariais prometeram que ela removeria os "entraves" para que rios de leite e mel corressem pelas ruas das cidades brasileiras. E que brilhantes unicórnios vomitariam arco-íris perfumados sobre as contas bancárias dos mais pobres.

Claro que era cascata e, hoje, trabalhadores sentem na pele os resultados da precarização de proteções à sua saúde, segurança e dignidade feitas à toque de caixa e sem a devida discussão democrática.

Reportagem da Folha de S.Paulo, desta segunda (10), diz que Geraldo Alckmin (sem partido), ex-governador e candidato a candidato a vice de Lula, manifestou preocupação com a proposta de revogação da reforma, pois isso estaria gerando apreensão no mercado. É fascinante que algo ainda gere apreensão no mercado após Bolsonaro, que ele ajudou a eleger, ter aloprado a economia em nome de seu projeto de poder.

O tema é central e não pode ser deixado de lado em nome de composições eleitorais porque diz respeito ao projeto de país que os candidatos apresentarão aos eleitores.

Se Lula quiser garantir qualidade de vida aos trabalhadores, precisará comprar brigas para tentar rever regras, como a possibilidade de terceirização ampla, uma vez eleito. Digo "tentar" porque isso dependerá do tamanho do apoio que terá no Congresso e de sua capacidade de negociar com o centrão. Convenhamos que é uma tarefa difícil porque a Câmara, pelo menos na atual legislatura, não é pró-trabalhador. Mas a expectativa de sua base é que ele, ao menos, não se omita de tentar.

O assunto da Reforma Trabalhista retorna, de tempos em tempos, quando o Congresso Nacional tenta aprovar um novo pacote de mudanças - como aquele escondido na forma de "jabuti" dentro da Medida Provisória 1045. Aprovada pela Câmara, acabou rejeitada pelo Senado em setembro do ano passado.

Desta vez, reapareceu em meio ao debate eleitoral. Após Lula ressaltar, no último dia 4, a importância da contrarreforma que vem sendo tocada pelo governo espanhol para reverter a precarização das regras trabalhistas ocorrida por lá, em 2012, e o PT colocar o tema como um dos desafios de um possível terceiro mandato do ex-presidente, os arquitetos da reforma vieram a público defender sua obra.

Justo. Quem pariu esse prédio desabando que venha a público defende-lo.

Temer, ex-presidente e ghost writer de Jair Bolsonaro, foi um deles. Foi desmentido em artigo publicado, nesta segunda (10), por oito centrais sindicais, assinado pelos presidentes da CUT, da Força Sindical, da UGT, da CTB, da NCST, da CSB e da Pública, Central do Servidor e pelo secretário-geral da Intersindical. Nele, afirmam que a Reforma Trabalhista retirou direitos e gerou desemprego.

Durante meses, acompanhei, no Congresso, um rolo-compressor de interesses econômicos atropelar a necessária discussão sobre a atualização na legislação em nome de um projeto que facilitou a precarização da proteção aos trabalhadores. Tentativas de aprofundar a discussão eram abortadas. Propostas para realizar uma Reforma Sindical, que fortalecesse os bons representantes e desidratasse os picaretas antes da Reforma Trabalhista, por exemplo, eram vistas com desdém.

Por outro lado, o projeto para enfraquecer as representações de trabalhadores passou com distinção e louvor.

Não havia espaço para o diálogo, apenas a pressa. Tanto que o Senado abriu mão de seu papel de casa revisora, aceitando aprovar o texto que veio da Câmara sem modificações. Engoliu a mentira de que o governo se empenharia para retirar pontos com os quais os senadores não concordavam.

Claro que toda legislação trabalhista precisa de revisão para se adaptar aos novos tempos. A própria CLT passou por várias desde que foi instituída - aquela história de que é o mesmo texto desde Getúlio Vargas não é verdade. Mas o que aconteceu no Brasil não foi um diálogo tripartite, entre patrões, empregados e governo, buscando a atualização e a simplificação das regras. Foi a entrega de uma encomenda, pagamento pelo apoio de parte do empresariado à troca de comando na República.

Tanto não foi uma atualização que os legisladores de 2017 se furtaram a aprovar medidas eficazes para garantir proteções à saúde e segurança de entregadores e motoristas por aplicativos, uma das mais vulneráveis categorias. Hoje, políticos dizem que não era possível prever que esse novo proletariado urbano explodiria em número. Mentira. O Congresso e o governo foram alertados, mas ignoraram. Porque o objetivo era outro.

Ao analisar o DNA da Reforma Trabalhista, vemos que ela nasceu baseada em demandas apresentadas por confederações empresariais e grandes empresas junto com posições derrotadas em julgamentos no Tribunal Superior do Trabalho que significaram perdas a empresários e ganhos a trabalhadores. A esse pacote inicial, somaram-se dezenas de propostas de parlamentares e de seus patrocinadores.

No final, houve algumas boas alterações, outras inócuas e um pacotão de maldades.

Claro que uma Reforma Trabalhista não impacta a realidade sozinha, depende de uma série de outras variáveis. Uma delas, por exemplo, é ter como presidente uma pessoa que gera instabilidades política e econômica - neste caso, falando de Bolsonaro, não de Temer. Mas os envolvidos em sua aprovação martelaram, dia e noite, nos veículos de comunicação, o contrário. E essa promessa de melhoria rápida do cenário do emprego foi usada para enganar a população desesperada por conseguir um serviço.

Mais do que propaganda enganosa, a isso se dá o nome de chantagem. Das mais baixas.

Discute-se o estelionato eleitoral de Dilma Rousseff ao colocar em prática, no início de seu segundo governo, políticas econômicas que ela não havia prometido em campanha.

Porém, o estelionato político da Reforma Trabalhista é algo do qual raramente se fala. Esse tipo desequilíbrio na punição dos pecados, que se tornou comum por aqui, vai acabar matando a República. Se Bolsonaro não assassiná-la antes, claro.